Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




sexta-feira, 3 de junho de 2011

Artigo: O direito à educação especial inclusiva

Foto de Roberto Ortega


Diante da grande repercussão do post sobre a educação especial em Palhoça (leia aqui), que teve mais de 20 comentários, com o intuito de enriquecer o tema debatido e apurado pelo Ministério Público nos procedimentos já citados, segue interessante artigo escrito pela Promotora de Justiça do Estado da Paraíba, Fabiana Maria Lobo da Silva. 


1.Considerações iniciais
Antes, a educação das pessoas portadoras de deficiência ficava ao encargo de instituições, escolas ou classes especiais. Hoje, com a nova política de educação inclusiva, deve se dar em todos os níveis do sistema regular de ensino.
Com efeito, diversos documentos internacionais garantem às pessoas com deficiência o direito fundamental de não serem excluídas do ensino regular por motivo de suas deficiências, a exemplo da Convenção de Guatemala de 1999, da Convenção das Pessoas com Deficiência de 2006 e da Convenção de Nova York de 2007.
Essa última, especificamente, passou a viger como norma jurídica interna do ordenamento brasileiro através do Decreto nº 6.949/2009. Com isso, reforçou, em solo pátrio, o direito fundamental das pessoas com deficiência de não serem "excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência" e das crianças com deficiência de não serem "excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência" (art. 24, item 2, "a", do texto da Convenção) [01].
Ademais, como lei nova, a convenção novaiorquina revogou as disposições em contrário e deu nova interpretação aos arts. 58 e seguintes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/90), que falam em educação especial inclusiva "se possível" ou "preferencialmente".

2. O Atendimento Educacional Especializado (AEE)
De acordo com o novo norte da educação especial, as pessoas portadoras de deficiência (física, mental, intelectual ou sensorial), transtornos globais do desenvolvimento (síndrome de Aspeger, síndrome de Rett, autismo, por exemplo), assim como altas habilidades/superdotação devem ser matriculadas, concomitantemente, no ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), previsto no art. 208, III, da Constituição Federal de 1988 [02].
O AEEconsiste no conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar ao ensino regular, mas nunca substitutiva(art. 1º, § 1º, do Decreto nº 6.571/2008) [03]. Destina-se a oferecer aquilo que há de específico na educação de um aluno com deficiência sem impedi-lo de frequentar, quando em idade própria, ambientes comuns de ensino [04].

Esse atendimento deve ser ofertado no turno oposto ao do ensino regular, quer na própria escola em que o aluno estuda, em outra escola do ensino regular ou em instituição comunitária, confessional ou filantrópica sem fins lucrativos [05]. Todavia, nos termos do art. 208, III, da Constituição Federal, deve ser feito, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Nas escolas da rede regular, o AEE pode ser feito nas salas de recursos multifuncionais, que são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos para oferta desse tipo de atendimento, a exemplo dos livros didáticos e paradidáticos em braile, áudio e em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) [06], laptops com sintetizador de voz e outros equipamentos descritos no § 2º, do Decreto nº 6.571/2008.
Outrossim, o AEE deve contar com professor específico, atuando conjuntamente com os demais professores do ensino regular. Já no caso dos alunos surdos, deve haver, obrigatoriamente, intérprete de libras nas salas de aula para tradução simultânea do conteúdo repassado.
Como matérias específicas do AEE, tem-se o ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), ensino da língua portuguesa para surdos, do código braille, de orientação e mobilidade, da utilização do soroban, da educação física adaptada, dentre outras.
Apesar de sua abrangência, o AEE não é sinônimo de educação especial, mas apenas um dos seus aspectos. Essa abrange, também, outras ações que garantam a educação inclusiva, tais como: a) a formação de professores e demais profissionais da educação para o atendimento educacional inclusivo, que pode ocorrer através das plataformas de educação à distância do Ministério da Educação e Cultura - MEC; e b) a adequação arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade [07].

3. A educação especial inclusiva nas escolas públicas
No que tange ao sistema público de ensino, o Governo Federal presta apoio técnico e financeiropara a implantação das salas multifuncionais de recursos nas escolas públicas (Programa de Implantação das Salas de Recursos Multifuncionais); para a capacitação dos professores, gestores e demais profissionais da educação (Programa Educação Inclusiva); e para adequação arquitetônica dos prédios escolares (Programa Escola Acessível) [08].
Além disso, quando há matrícula de aluno portador de deficiência na rede regular de ensino e, concomitantemente, no AEE prestado na própria escola, em outra escola pública ou em instituição comunitária, filantrópica ou confessional, o cômputo do coeficiente do FUNDEB é dobrado, conforme o art. 9º-A, do Decreto 6.253/2007.
Isso significa que os Estados, Distrito Federal e Municípios recebem a mais por cada aluno portador de deficiência matriculado em suas respectivas rede de ensino, que frequente o AEE [09]. Sem falar nas verbas específicas para acessibilidade e para implantação de sala de recursos direcionadas pelo MEC.
Por consequência, não se justifica a rotineira desculpa de que a rede pública de ensino não tem condições de receber alunos portadores de deficiências, por faltar-lhe recursos para as adaptações necessárias.
Cuida-se de dever legalmente imposto, consistindo crime, nos termos do art. 8º, I, da Lei nº 7.853/89, punível com 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, a ação do agente responsável que "recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta".

4.A educação especial nas escolas privadas
As escolas particulares exercem função sujeita à autorização e à fiscalização pelo Poder Público no que se refere ao cumprimento das normas gerais da educação nacional (art. 209, da Constituição Federal). Em face disso, possuem as mesmas obrigações impostas à rede pública de ensino pela política nacional de educação inclusiva adotada pelo Estado brasileiro.
Sem falar que o direito das pessoas com deficiência à educação inclusiva se impõe, plenamente, nas relações entre particulares, à vista da denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais (Drittwirkung).
Nessa perspectiva, as escolas particulares devem possuir acessibilidade arquitetônica, disponibilizar intérpretes para alunos surdos, material pedagógico em braille para os alunos cegos, assim como outros instrumentos do AEE, sem que haja cobrança de taxa adicional [10]. Ademais, seus dirigentes não podem recusar matrícula por motivo de deficiência, sob pena de crime (art. 8º, I, da Lei nº 7.853/89).
Como consequência, uma escola privada só pode ser autorizada a funcionar ou a continuar funcionando pelos respectivos Conselhos de Educação quando atenda às normas de acessibilidade como um todo.

5. A tutela judicial da educação especial inclusiva
O direito fundamental à educação inclusiva vem sendo reconhecido pacificamente pela jurisprudência pátria, inclusive pelo instrumento constitucional do mandado de segurança, dado seu caráter líquido e certo:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO MÉDIO. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO DE ALUNA POR INTÉRPRETE DE LINGUAGEM DE SINAIS. A impetrante é adolescente portadora de deficiência auditiva e está impossibilitada de cursar o ensino médio, em razão da falta de professores habilitados. Nesse contexto, cabe ao Estado disponibilizá-los imediatamente de modo a cumprir os ditames legais, assegurando o direito à educação sem qualquer discriminação. CONCEDERAM A SEGURANÇA, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Mandado de Segurança Nº 70033604216, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 12/03/2010).
Outrossim, por se tratar de direito fundamental indisponível, mesmo quando violado individualmente, pode ser perseguido pelo Ministério Público na condição de substituto processual, tal como prevê o art. 6º da Lei nº 7.853/89.
Com efeito, inúmeras são as ações propostas pelo Órgão Ministerial para garantir a educação especial inclusiva, a exemplo da ação civil pública do Ministério Público do Rio Grande do Sul que motivou o seguinte julgado:
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO ADOLESCENTE AO ATENDIMENTO EM ESCOLA ESPECIAL E TRANSPORTE DE QUE NECESSITA. PRIORIDADE LEGAL. OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO DE FORNECÊ-LO. BLOQUEIO DE VALORES. CABIMENTO. 1. Os entes públicos têm o dever de fornecer gratuitamente o atendimento especial e o transporte de que necessita o menor, cuja família não tem condições de custear. 2. A responsabilidade dos entes públicos é solidária e a exigência de atuação integrada do poder público como um todo, isto é, União, Estados e Municípios para garantir a saúde de crianças e adolescentes, do qual decorre o direito ao fornecimento de ensino especial, está posto no art. 196 da CF e art. 11, §2º, do ECA. 3. É cabível a antecipação de tutela quando ocorre a presença das hipóteses do art. 273 do CPC. 4. É cabível o bloqueio de valores quando permanece situação de inadimplência imotivada do ente público, pois o objetivo é garantir o célere cumprimento da obrigação de fazer estabelecida na decisão judicial. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70034910448, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 12/05/2010).

6.Conclusão
Observa-se, portanto, que apesar dos debates pedagógicos ainda travados a respeito, a educação especial inclusiva é direito fundamental positivado de todas as pessoas com deficiência, com eficácia imediata e oponível erga omnes.
O aluno portador de deficiência tem direito de ser inserido em todos os níveis do ensino regular, sendo avaliado não de forma homogeneizada, mas de acordo com suas diferenças e aptidões, assim como com a evolução do conhecimento adquirido a cada nível de ensino [11]. A respeito, esclarece EUGÊNIA FÁVERO que, "mesmo que não consigam aprender todos os conteúdos escolares, há que se garantir (inclusive) aos alunos com severas limitações o direito à convivência na escola, entendida como espaço privilegiado da educação global das novas gerações" [12].

SILVA, Fabiana Maria Lobo da. O direito à educação especial inclusiva. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2765, 26 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18354>. Acesso em: 2 jun. 2011.


4 comentários:

  1. PARABÉNS! ISSO DEMONSTRA QUE ESTAMOS SENDO "ASSISTIDOS". Quem está lendo estes comentários? A inicitiva demonstra que Palhoça tem um MP atuante.

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  2. Esta postagem demonstra que estamos lidando com pessoas sérias e dispostas a garantir os direitos dos alunos. Obrigado!!!

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  3. É necessário que as ações sejam rápidas porque os alunos com defciência já tiveram muitas perdas. Também há muita resistência quanto à permanencia deles nas escolas, como se nõa tivessem direitos. Os gestores das escolas precisam se adequar diante das leis vigentes. Porque a primeira fala é que não há vaga, enquanto não houver um professor auxiliar "para o aluno".
    O inverso é o adequado,primeiro matriculando a criança e depois, de acordo com as necessidades, providenciar o auxiliar para a turma e não para o aluno.
    Os gestores precisam assumir a postura correta da inclusão.

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  4. Infelizmente tudo continua como antes neste reino de poíticos interesseiros. Mas a Educação Especial em 1 ano que estou na prefeitura, não mudou nada e para retaliar a gente por denúncias feitas e por questinamentos aos gestores. A humilhação que estamos sofrendo está insuportável e em decorrência disto vou solicitar exoneração. Apesar de ter feito concurso e ter sido aprovada. E infelizmente somos muitos com a intenção de exonerar, vivendo este assédio moral que nem nos permite dormir direito.
    Palhoça tem um alto indice de desistência dos aprovados em concurso porque os ACTs nem precisam fazer processo seletivo pra entrar e fazem o que lhes é imposto.

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