Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Celas da Delegacia de Palhoça: Ação Civil Pública n. 045.12.000624-8 (íntegra)

Em tempo: a 1a. Promotoria de Justiça de Palhoça encaminhará cópia integral do inquérito civil e da ação civil pública para a 5a. Promotoria de Justiça de Palhoça (Execução Penal) para que tome as providências que entender cabíveis com relação a eventual interdição das celas e situação dos presos maiores de 18 anos de idade.


EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA, ÓRFÃOS, SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PALHOÇA/SC.   

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, com fundamento nos artigos 1º, inciso III, 5º, incisos III e XLVIII, 127, caput, 129, incisos II e III, e 227, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 18, 124, incisos V, IX e X, 148, inciso IV, 185, § 1º e 2º, 201 incisos V e VIII, 209, 210, inciso I, e 213 e seus parágrafos, todos da Lei n. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); no artigo 25, inciso IV, da Lei n. 8.625/93; no artigo 82, inciso VI, alínea 'c' da Lei Complementar Estadual n. 197/2000; no artigo 5º, inciso I, da Lei n. 7.347/85, na Lei Complementar Estadual n. 381/2007 e demais dispositivos pertinentes, vem propor a presente: 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE LIMINAR,

 em desfavor do ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público, na pessoa do Procurador Geral do Estado, com endereço na Av. Osmar Cunha, n. 220, Centro, CEP.: 88015-100, Florianópolis/SC; em face da SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA, na pessoa do Secretário César Augusto Grubba, localizada na Rua Artista Bittencourt, n. 30, Centro, CEP.: 88020-060,  Florianópolis/SC; e em face da SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E CIDADANIA, na pessoa da Secretária Ada Faraco De Luca, situada na Rua Frei Caneca, n. 400, Agronômica, CEP.: 88025-060, Florianópolis/SC, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:


I - DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO:

Extrai-se da Lei n. 8.069/90 que é competente o Juízo da Infância e Juventude para julgar ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, conforme se depreende da leitura do artigo 148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Infere-se, ainda, da lei antes mencionada que as ações relacionadas à criança e ao adolescente serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo Juízo terá competência absoluta para processar a causa (artigo 209 da Lei n. 8.069/90).

Paralelamente, o Código de Processo Civil (art. 100, inciso IV, alínea 'd'), dispõe taxativamente que é competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita para a ação em que se lhe exigir o cumprimento.

Portanto, como a presente Ação Civil Pública tem por escopo salvaguardar os direitos dos adolescentes em conflito com a lei apreendidos neste Município de Palhoça/SC, os quais são mantidos em repartições policiais localizadas nesta Comarca (celas da Delegacia de Polícia de Palhoça), a fixação da competência deve ocorrer neste foro judicial.


II – DA LEGITIMIDADE ATIVA:

Da legislação constitucional e infraconstitucional deflui a legitimação do Ministério Público para a propositura da ação civil pública na defesa dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos.

O artigo 127, caput, da Constituição Federal prescreve que: 

"O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". 

Ademais, o artigo 129, incisos II e III, da Constituição de 1988 dispõe:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 
[...] 
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

E no tocante à legitimidade do Ministério Público em ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais, coletivos ou difusos de crianças e adolescentes, claro é o artigo 201 da Lei n. 8.069/90, que enuncia:

Art. 201. Compete ao Ministério Público: 
[...]
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal; 
[...]
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

Tal legitimação decorre também do art. 25 da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

No mesmo norte, prevê o art. 82, inciso VI, alínea 'c', da Lei Complementar Estadual n. 197/2000:

Art. 82. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável:
[...]
VI - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, para:
[...]
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, individuais homogêneos, difusos e coletivos relativos à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e às minorias étnicas.

Não se olvida, ainda, que a Lei n. 7.347/85, em seu art. 5º, autoriza o Ministério Público a propor ações destinadas à tutela desses interesses em juízo. 

De mais a mais, sobre o tema, já se decidiu:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LEGITIMIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. O Tribunal, no Recurso Extraordinário nº 163.231/SP, concluiu pela legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, mesmo no caso de interesses homogêneos de origem comum, por serem subespécies de interesses coletivos. (STF - AI 559141 AgR / PE – PERNAMBUCO. AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 21/06/2011. Órgão Julgador: Primeira Turma) (sem grifo no original).

Assim, denota-se que o Ministério Público detém legitimidade para propor esta ação.


III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA:

Por outro lado, inegável que o Estado de Santa Catarina possui legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda.

Extrai-se da Constituição do Estado de Santa Catarina que "o Estado assegurará os direitos da criança e do adolescente previstos na Constituição Federal" (art. 187, caput).

Infere-se, ainda, da aludida Constituição Estadual que:

Art. 188. O Estado criará e manterá organismos estruturados para dar cumprimento as ações de atendimento à criança e ao adolescente.
[...]
§ 5º Em toda e qualquer situação infracional ou de desvio de conduta, se necessário, a criança ou o adolescente serão encaminhados para centros exclusivos de recolhimento provisório e, excepcionalmente, permanecerão em dependências de delegacias ou cadeias públicas.

Portanto, a criação e a manutenção das estruturas para atender os adolescentes em conflito com a lei  é dever do Estado de Santa Catarina.

Logo, conclui-se que o Estado de Santa Catarina possui legitimidade para figurar no polo passivo da presente Ação Civil Pública. 


IV - DOS FATOS:

Este Órgão de Execução do Ministério Público, após ter sido informado sobre a existência de irregularidades no local destinado aos adolescentes apreendidos na Delegacia de Polícia de Palhoça, instaurou o Inquérito Civil n. 06.2011.008720-7, tendo o seguinte objeto: apurar a situação do local destinado aos adolescentes apreendidos em razão da prática de atos infracionais, localizado na Delegacia de Polícia de Palhoça (Portaria - fls. 2/4).

Em seguida, visando eliminar as irregularidades noticiadas, expediu-se Recomendação à Delegada Regional de Polícia de Palhoça (fls. 8/11), nos seguintes termos:

1- que os adolescentes sejam privados de liberdade apenas em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente;
2 – que os policiais responsáveis pela apreensão dos adolescentes se identifiquem aos mesmos, informando-os sobre seus direitos;
3 – que a apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido sejam imediatamente comunicados à autoridade judiciária e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada;
4 – encaminhar o adolescente apreendido por força de ordem judicial imediatamente à autoridade judiciária;
5 – em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça, deverá: 
a) lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente; 
b) apreender o produto e os instrumentos da  infração; 
c) requisitar os exames e perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração;
6 – em caso de flagrante de ato infracional cometido sem violência ou grave ameaça, instaurar de preferência apenas boletim de ocorrência circunstanciado;
7 - comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será imediatamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso de responsabilidade de sua apresentação na 1ª Promotoria de Justiça de Palhoça na primeira quinta-feira subsequente, com cópia do procedimento específico, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública;
8 – o adolescente que não for liberado pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deverá permanecer na Delegacia de Polícia de Palhoça, em local digno, limpo e salubre, sem ter qualquer contato próximo com os presos adultos, inclusive em dependência diversa da dos adultos;
9 – sendo impossível a liberação imediata do adolescente pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, será apresentado ao Ministério Público (1ª Promotoria de Justiça de Palhoça), no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, juntamente com o Auto de Apreensão ou procedimento específico (artigo 175 § 2º do ECA);
10 - não sendo caso de flagrante e havendo indícios de prática de ato infracional, encaminhar relatório ou boletim de ocorrência circunstanciado diretamente ao Ministério Público, no prazo de 30 (trinta) dias.

Na sequência, por meio do ofício n. 176/2001 (fls. 104/106), a Delegada Regional Gisele de Faria Jerônimo acatou a Recomendação expedida, mas no que se refere ao item n. 8 do mencionado expediente informou que:

"O grande problema reside na situação disposta no item 8 da recomendação. Como já é de conhecimento de Vossa Excelência a Delegacia de Polícia da Comarca de Palhoça possui sérias limitações físicas e dispõe de uma única cela que já foi interditada pelo judiciário local em face da sua precária condição.
Desde 23 de dezembro de 2010 os presos permanecem na cela da Delegacia somente nos horários em que a Central de Triagem da Capital, por medida de segurança, deixa de receber os mesmos.
No setor destinado ao atendimento ao público, que chamamos de Comissariado, foi desativado um depósito e criada uma "sala de contenção" onde permanecem aquelas pessoas conduzidas até a lavratura do procedimento e posterior encaminhamento para a Central de Triagem ou mesmo para permanência na cela da Delegacia até ser efetivada a sua transferência.
Nesse espaço permanecem os adolescentes até a concessão de vaga para sua transferência.
Referido local já foi alvo de críticas por parte do público interno e externo uma vez que, a permanência de pessoas no local acaba por gerar ruído e odores tornando o local totalmente insalubre para aqueles que ali trabalham e aqueles que são atendidos na Delegacia.
Em resumo, Senhor Promotor, a Delegacia de Palhoça não possui espaço adequado para manter presos, sejam adultos ou adolescentes. Todo o possível é feito para dar cumprimento as determinações legais, porém não há outro local para se manter adolescentes senão a sala de contenção anexo ao plantão da Delegacia" (grifou-se).
    
Nesse ínterim, o Ministério Público expediu ofício à Vigilância Sanitária Estadual, requisitando a realização de vistoria nas celas da Delegacia de Polícia de Palhoça, especificamente nos locais onde ficam os adolescentes apreendidos em virtude da prática de atos infracionais (fls. 12; 14 e 114/116).

Em resposta, a Vigilância Sanitária Estadual informou que o ofício acima foi encaminhado à Vigilância Municipal de Palhoça, uma vez que o referido Município pactuou a ação de inspeção em presídios e delegacias (fl. 117). 

Empós, este Órgão de Execução, acompanhado da equipe da Vigilância Sanitária Municipal, efetuou vistoria nas celas da Delegacia de Palhoça utilizadas para manter os adolescentes infratores (fl. 118), cujo relatório de inspeção foi juntado às fls. 121/123. Registre-se que nesta ocasião as celas foram fotografadas (fls. 110/113).

Extrai-se do aludido relatório de inspeção da Vigilância Sanitária Municipal que:

[...] um acúmulo de detentos num pequeno espaço com pouca circulação de ar agrava a situação de risco de transmissão de doenças causadas por fungos, como micoses, doenças respiratórias. Cito também o risco de contrair tuberculose caso haja um doente bacilífero entre os demais. 
As paredes e o teto necessitam de pintura, o banheiro não oferece condições satisfatórias de higiene, é recomendado também colchões com revestimento impermeável. Percebemos que é difícil manter um ambiente livre de umidade, pois há apenas uma entrada de ar, isso dificulta a circulação. Na parte interna da delegacia há um local também destinado a reclusão. Porém, também não oferece condições satisfatórias de higiene, já que aparentemente o que era um corredor foi transformado em uma pequena cela sem banheiro e cama. Quando nos referimos a parte de alimentação [...] isso também pode se tornar um problema pela má conservação dos alimentos e/ou restos de alimentos deixados no local causando um surto de vetores.
Sendo assim, considerando as normas sanitárias vigentes e o manual de orientações sobre as normas sanitárias do sistema carcerário, verificamos que os locais citados, oferecidos como cela de detenção continuam em "desacordo" com a legislação sanitária (fls. 122/123) (grifou-se).  

Nesse meio tempo, juntou-se no Inquérito Civil instaurado relatório elaborado pelo Serviço Social do Ministério Público, após visita nas celas da Delegacia de Polícia de Palhoça, o qual expõe, em síntese, que:

[...] Cela 1 [...] No momento, apenas um adolescente encontrava-se recolhido no seu interior. Observamos que o adolescente não contava com nenhum tipo de apoio para se sentar ou deitar. A Cela 1 também não dispõe de banheiro, talvez, por este fato, verificou-se forte odor de urina [...] Quanto a Cela 2 [...] no momento da visita encontravam-se reclusos nesta Cela, dois adolescentes [...] A Cela 2 é escura, verificamos que a única ventilação é feita pela porta. Esta Cela conta com banheiro e três colchões, sendo que apenas um deles fica sobre uma planaforma (cama), os demais são colocados no chão [...] A Cela 2 apresenta ainda mofo pelas paredes. Os adolescentes que encontravam-se reclusos reclamaram da Cela 1, afirmaram que lá existe um cheiro forte de urina e que, quando encontram-se reclusos naquele ambiente, tem que fazer suas necessidades em sacolas plásticas [...] considera-se que especialmente a Cela 2 tem aspectos insalubres, podendo a reclusão dos adolescentes naquele ambiente apresentar riscos ao processo de desenvolvimento e principalmente de recuperação dos mesmos [...] (fls. 107/109)

Juntou-se ainda neste procedimento cópia dos autos n. 045.10.019183-0 (fls. 20/101), relacionados à Execução Penal. no qual foi decretada a interdição da Cadeia Pública desta Comarca de Palhoça (Sentença – fls. 71/74), pois, conforme fundamentou a magistrada em 17/10/2010, após constatação pessoal, a cela da Delegacia de Palhoça "apresenta recorrentes infestações de parasitas em virtude da superlotação, ausência de ventilação, escuridão, umidade e calor insuportáveis" (fl. 72).

Assim, demonstrou-se no presente feito que os adolescentes apreendidos pela prática de ato infracional nesta Comarca são colocados em duas "celas", localizadas na Delegacia de Polícia de Palhoça/SC, até a conclusão dos procedimentos de apuração do ato infracional ou até a remoção dos mesmos para centro de atendimento socioeducativo, no prazo máximo de 05 (cinco) dias.

Registre-se que uma das aludidas celas já foi interditada, conforme acima mencionado (fl. 74), mas continua sendo utilizada, inclusive para colocação de adolescentes.

Ademais, evidencia-se claramente que os referidos ambientes vão de encontro aos direitos dos adolescentes, previstos na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na legislação correlata.

Mencionados ambientes vilipendiam os direitos dos adolescentes porque, conforme inspeções realizadas pela Vigilância Municipal de Saúde, pelo Serviço Social do Ministério Público, por este Órgão de Execução, pela Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal, bem como pela constatação narrada pela Delegada Regional de Polícia, são totalmente insalubres e atentam contra a dignidade de tais pessoas em desenvolvimento.

Ressalte-se que foi verificado que as celas onde os adolescentes são alocados possuem mínima circulação de ar, ocasionando risco de transmissão de doenças, como a tuberculose, entre os apreendidos.

Ademais, os cubículos possuem mofo nas paredes e não têm colchões revestidos.

De mais a mais, o banheiro de uma das celas não oferece condições satisfatórias de higiene e o outro local não possui sequer banheiro, obrigando os adolescentes a fazer suas necessidades fisiológicas em sacolas ou garrafas plásticas entregues pelos policiais civis ou até a fazerem suas necessidades no chão de tal repartimento, convergindo na presença de odor fétido no local. 

Como se isso não bastasse, pela falta de estrutura no local, reiteradamente os adolescentes são colocados na mesma cela onde estão pessoas adultas, o que se constitui como fato gravíssimo e que atenta contra os tratados de direitos humanos preconizados por todo o mundo ocidental civilizado. 

Senão veja-se:

"[...] 10:01 - Promotor de Justiça: você foi apreendido quando?
Adolescente: sábado;
Promotor de Justiça: você está desde sábado lá. Hoje é quarta-feira; Você tomou banho quantas vezes lá na cela?
Adolescente: uma vez só... eu pedia todo dia, não sou porco... Tomava banho todo dia em casa, como qualquer pessoa normal;
[...]
10:37 - Promotor de Justiça: você está em que cela ali? Tem uma cela dentro e a outra do lado de fora.
Adolescente: agora eu estava na cela do lado do escrivão da Palhoça, mas eu estava na cela que os presos estavam. Os presos maiores...
Eu só comi junto com eles; fiquei uns 20 ou 30 minutos...
Promotor de Justiça: ficasse 20 ou 30 minutos então com os maiores?
Adolescente: Sim... na cela onde ficam os presos;
Promotor de Justiça: Como está esta cela lá? Muito complicado de ficar ali?
Adolescente: eu não queria nem que o meu cachorro lá de casa ficasse naquela cela; Até meu cachorro vive melhor.
Promotor de Justiça: Mas por quê?
Adolescente: mau cheiro, não tem bacil para o cara fazer as necessidades...
Promotor de Justiça: Como fizesse as suas necessidades?
Adolescente: eu nem fiz, só mijei.
Promotor de Justiça:como você urinou?
Adolescente: tem um buraquinho que desce a água... na cela de dentro urinei num litrinho de refrigerante 13:07 [...]"
[...] (Transcrição de depoimento, em Juízo, prestado por adolescente Representado nesta Comarca de Palhoça e apreendido na Delegacia de Polícia deste Município. Autos n. 045.12.000737-6. Data: 25/01/2012).

Logo, a situação das celas da Delegacia de Palhoça onde são colocados os adolescentes infratores apresenta-se caótica, fazendo com que os mesmos permaneçam privados de liberdade em locais absolutamente impróprios, onde acabam sendo subtraídos também de dignidade, em total desrespeito à peculiar condição de pessoas em desenvolvimento.

Saliente-se que as celas são fétidas, humilhantes e degradantes, o que, de maneira alguma, coaduna-se com a espécie de tratamento que deve ser destinado a alguém que se encontra em fase de desenvolvimento e que é destinatário da proteção integral por parte do Estado, com prioridade absoluta e integral.

Dessa forma, a permanência de adolescentes nas repartições policiais aludidas, sem instalações apropriadas representa injustificável afronta aos princípios constitucionais do respeito à condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento e à dignidade da pessoa humana.

Registre-se que a privação da liberdade do adolescente em conflito com a lei, reservada para situações extremas e excepcionais, deve ser voltada, desde o seu início, para a efetiva recuperação e ressocialização, e não apenas para a sua segregação do convívio familiar e social, em ambiente desumano e cruel, que faz com que o infrator saia da segregação pior do que quando entrou, haja vista a vivência com o descaso, com a negligência e com o desprezo impingidos em seu desfavor.

Impende ressaltar que o ordenamento pátrio não apenas repudia situações similares à acima relatada, mas também confere à Justiça da Infância e da Juventude o poder-dever de impedir sua perpetuação no tempo, de modo que os adolescentes privados de liberdade recebam tratamento adequado, em local apropriado, para posterior encaminhamento, se for o caso, aos CASEPs (Centros de Atendimento Socioeducativos Provisórios).

Dessarte, diante das irregularidades constatadas neste Inquérito Civil, irrefutável é o grave risco vivenciado pelos adolescentes privados de liberdade e também pelos funcionários da delegacia, que convivem em ambiente com possibilidade de transmissão de doenças e onde o odor fétido predomina. 

Essencial destacar que a insalubre e penosa situação das celas da Delegacia de Palhoça não é recente, uma vez que, em fevereiro de 2009, a Vigilância Sanitária e a Vigilância Epidemiológica já haviam concluído que as condições físicas e sanitárias da Delegacia aludida "são precárias e subumanas" (fls. 28/29), o que resultou na interdição de uma das celas (na época a cela interna, ou sala de contenção, não existia). 

Desse modo, o grave descaso e desleixo do Estado no que se refere às repartições da Delegacia de Polícia de Palhoça está completando três anos, fazendo com que muitos adolescentes sofram prejuízos incalculáveis, o que pode repercutir pelo resto de suas vidas.

Sabe-se que estes adolescentes sofrem com a negligência, com a fome, com o desemprego, com a utilização de substâncias estupefacientes, com abusos sexuais, com a carência econômica e com a desorganização familiar, sendo, portanto, vítimas da omissão familiar e estatal.

É oportuno destacar que são estes adolescentes que a própria Constituição Federal denomina “sujeito de direitos”. São eles a “prioridade absoluta constitucional”, que estão sendo pela segunda vez vítimas da violência, aqui consistente na omissão do Estado de Santa Catarina.

A omissão, portanto, é incontestável.

Por tais razões, é evidente que não pode mais permanecer essa situação desumana, imoral, desoladora, humilhante e degradante com relação aos adolescentes, que não podem mais adentrar em instalações inapropriadas e na presença de presos adultos.

Diante disso, este Órgão de Execução do Ministério Público, com o intuito de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais que amparam os adolescentes, propõe a presente Ação Civil Pública no escopo de salvaguardar os direitos dos mesmos.


V  DO DIREITO:

A Constituição da República Federativa de 1988 estabelece em seu art. 1º, inciso III, que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana.

Adiante, a lei fundamental, em seu art. 5º, incisos III e XLIX (em analogia), dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; 
[...]
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

Ademais, extrai-se da dicção do art. 227, caput, e § 3º, inciso V, da Magna Carta que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
[...]
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade.

Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente assevera:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
[...]
 c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; 
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. 

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. 

Assim, denota-se que o Brasil possui uma avançada legislação relacionada aos direitos dos adolescentes, que trouxe os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, mas que, em situações como a dos adolescentes apreendidos na Delegacia de Polícia de Palhoça, é diametralmente menosprezada.

E, acerca da legislação acima citada, insta transcrever o entendimento de Válter Kenji Ishida:

"Pode-se falar conforme acima aludido na existência da doutrina da proteção integral. Para assegurar a mesma, formularam-se princípios menoristas, destacando-se o da prioridade absoluta, e o do melhor interesse [...] o princípio da prioridade absoluta possui o status constitucional, com a previsão no art. 227 da Carta Magna. A prioridade absoluta significa primazia, destaque em todas as esferas de interesse, incluindo a esfera judicial, extrajudicial ou administrativa". (Estatuto da Criança e do Adolescente. 12. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. págs. 6/7) (sem grifo no original)

Nesse diapasão, necessário se faz também mencionar as lições de Munir Cury, et al, acerca dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente:

"Não se trata, neste caso, de palavras inúteis, como às vezes se diz das solenes declarações constitucionais. As regras ali enunciadas colocam também algumas normas de caráter imediatamente preceptivo, isto é, às quais todos devem imediata obediência, pois são suficientemente precisas; mas têm importância decisiva também por seu aspecto programático, isto é, aquele que se refere às normas concretas para implementação do programa". (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. pág. 35) (sem grifo no original)

Ademais, no que se refere à dignidade e ao respeito, previstos na Magna Carta e no Estatuto da Criança e do Adolescente, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, et al, aduz:

"A vulnerabilidade infanto-juvenil – física e psicológica – tem ensejado um abuso da condição de pessoa em desenvolvimento. A coisificação dos menores, como se fossem "projetos de gente" carecedores de respeito e consideração, desencadeia atos de violência física e moral [...] O paradigma da proteção integral, sistematicamente, está consolidado, mas culturamente ainda há muito a fazer. O estigma do menor como objeto de proteção concede o direito de tratar os menores e deles exigir o que bem se entende, sem enxergá-los como pessoas, carecedoras de tratamento digno e resguardo à sua integridade – física, psíquica e intelectual [...] A sociedade influenciada pela mídia parece exigir um comportamento cada vez mais adulto e sexualizado daqueles que ainda não estão amadurecidos [...] O reflexo é um pseudoamadurecimento vazio no qual crianças e jovens se vêem muitas vezes perdidos, desejosos de viver fases da vida para as quais ainda não estão prontos". (Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 48/49).

Dessa forma, verifica-se que no sistema legal brasileiro estabeleceu-se à primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesses.

E como a previsão de absoluta prioridade decorre da Constituição e da Lei Infraconstitucional, não há espaço para ponderações, devendo ser assegurado aos adolescentes todos os seus direitos elencados na legislação pátria, levando-se em consideração a condição de pessoas em desenvolvimento.

Torna-se claro, assim, o caráter preventivo da doutrina da proteção integral, a qual deve ser efetivada para salvaguardar os adolescentes. Do contrário, o texto legal será letra morta.

Consequentemente, caso o Estado não observe esses direitos fundamentais do adolescente, como ocorre no vertente caso, pois os adolescentes infratores são mantidos em repartições policiais inadequadas, em algumas oportunidades juntamente com presos adultos, torna-se violador dos direitos preconizados tanto na Carta Maior, como no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cabe destacar que direitos fundamentais são direitos para os quais não se pode admitir desculpas, como dificuldades financeiras. Eles devem ser resguardados independente de qualquer situação.

Deste modo, é dever e obrigação do Estado de Santa Catarina e das Secretarias de Estado da Segurança Pública e da Justiça e Cidadania cumprirem os direitos fundamentais relacionados aos adolescentes. 

E não se alegue falta de recursos financeiros, humanos ou materiais no escopo de se eximir de seu dever estabelecido, pois não cabem escusas ou justificativas para o descumprimento de direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente. Até porque investir na criança e no adolescente é investir no futuro.

Quanto a isso, já se decidiu:

[...] Ausência de previsão orçamentária a cargo do ente federativo demonstrada. Omissão, em afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso desprovido.
A proteção e a assistência a CRIANÇAS e ADOLESCENTES constitui despesa inadiável, imprescindível, constitucional e legalmente exigível, a qual não pode se furtar o Poder Público. A falta de previsão orçamentária pode ser facilmente contornada com créditos adicionais, inexistindo óbice à pretensão executiva. (TJSC - Apelação Cível n. 2008.077703-3, de Criciúma. Relator: Pedro Manoel Abreu. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 11/03/2010) (sem grifo no original)

Não se alegue também que o estabelecimento de políticas sociais derivadas de normas programáticas situa-se no âmbito do poder discricionário do administrador público, sendo vedado ao Poder Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade.

A autuação do Poder Judiciário nestes casos não interfere de modo algum na independência dos poderes, levando-se em conta a questão dos direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente.

Ademais, sabe-se que, na ocorrência de omissão por parte do Poder Público no cumprimento de norma constitucional elevada à categoria de norma fundamental, compete sim ao Poder Judiciário aplicar o direito ao caso concreto.

Diante desse contexto não há que se falar em desrespeito à autonomia do Poder Executivo por parte do Judiciário. Comungar de tal raciocínio significa simplesmente negar a existência de uma função estatal em face da outra, o que é de todo descabido.

Muito pelo contrário, a espécie em análise não consagra qualquer tipo de desrespeito às autonomias, mas afirma a função jurisdicional em relação a função executiva mal exercida ou não exercida, o que é absolutamente corriqueiro em um Estado Democrático de Direito.

Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

[...] DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO  CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO [...] CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ  175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -1220). RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO. (RE 482611 / SC - SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/03/2010) (sem grifo no original)

Assim, citadas a proteção integral e a prioridade absoluta previstas em favor do adolescente, bem como a necessidade e o dever de implementação das mesmas pelo Estado, passa-se a mencionar os direitos dos adolescentes, quando privados de liberdade. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 124, incisos V, IX e X, os seguintes direitos em prol dos adolescentes privados de liberdade:

Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: 
[...]
V - ser tratado com respeito e dignidade; 
[...]
IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; 
X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; 

Na sequência, a Lei n. 8.069/90 dispõe no seu artigo 185 que:

Art. 185. A internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional. 

§ 1º Inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art. 123, o adolescente deverá ser imediatamente transferido para a localidade mais próxima. 

§ 2º Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade. 

Infere-se dos artigos antes mencionados que os adolescentes privados da liberdade em Delegacia de Polícia deverão permanecer em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, em ambiente com condições adequadas de higiene e salubridade, bem como deverão ser tratados com respeito e dignidade. Conclui-se também que na ausência de estabelecimento adequado, deverá o adolescente ser encaminhado para a localidade mais próxima.

Mas, na Delegacia de Polícia de Palhoça os direitos mencionados não são observados, uma vez que os adolescentes permanecem em celas insalubres, sem as mínimas condições de higiene, e na presença de adultos por alguns momentos, o que certamente vai de encontro à dignidade dos mesmos.

Comentando esse descaso do Poder Público no tocante aos adolescentes em conflito com a lei nas Delegacias de Polícia, bem como o próprio procedimento de apuração de ato infracional, Murillo José Digiácomo preleciona que:

[...] a Lei nº 8.069/90, em seus arts. 171 a 190, definiu um procedimento próprio para apuração de atos infracionais praticados por adolescente, cujos preceitos - e princípios -, embora tenham o mesmo teor "garantista", não se confundem com aqueles contidos na Lei Processual Penal, até porque, ao contrário desta, não têm por escopo a imposição de uma pena, na perspectiva de retribuição à conduta ilícita praticada, mas sim se destina à aplicação de medidas de cunho pedagógico, que venham a interferir de forma positiva na vida do adolescente, sempre da forma menos gravosa possível [...] as repartições policiais e estabelecimentos prisionais, em sua quase totalidade, não contam com dependências específicas para adolescentes (verdadeiramente separadas das dos adultos), apresentando concretamente enorme promiscuidade (a superpopulação, sabemos, é a regra), ficando estes sujeitos à violência física, moral, psíquica e, não raras vezes, sexual, em total desconformidade com o disposto no art.227, caput, da Constituição Federal e arts.1º, 3º, 4º, caput e 5º, 7º, 15, 16, 17, 18 e 19, todos da Lei nº 8.069/90, apenas para citar alguns [...] Necessário, pois, que o Poder Judiciário, provocado pelo Ministério Público (sem prejuízo de ser aquele o próprio "agente provocador" deste, a teor do disposto no art.221, da Lei nº 8.069/90), utilize o Estatuto da Criança e do Adolescente da forma e para os fins a que foi concebido, voltando suas baterias contra os maus administradores, que se omitem em cumprir suas obrigações e, impunemente, descumprem a garantia de proteção integral e prioridade absoluta que a lei e a Constituição Federal conferem à área infanto-juvenil. Paralelamente, o Poder Judiciário e o Ministério Público devem destinar seu mais veemente repúdio a práticas abusivas, ilegais e inconstitucionais como a utilização das repartições policiais e estabelecimentos prisionais como meros depósitos de adolescentes, em condições degradantes e atentatórias à sua dignidade e a inúmeros outros direitos que lhes foram assegurados pela Lei e pela Constituição Federal, em frontal violação ao preconizado pela legislação Pátria e normativa internacional [...] Tendo em vista que é dever de todos evitar a ocorrência de violação aos direitos de adolescentes em conflito com a lei, o que compreende o dever de zelar por sua vinculação a programas de atendimento que respeitem sua dignidade, integridade física e moral, bem como sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (cf. arts.4° caput, 5°, 17, 18 e 70, todos da Lei n° 8.069/90), cabe ao Estado (lato sensu) [...] buscar a melhor forma de prestar o atendimento sócio-educativo de que o adolescente necessita, sem submetê-lo a um constrangimento não previsto no ordenamento jurídico, como o decorrente de sua pura e simples privação de liberdade, no ambiente impróprio e, via de regra, insalubre e promíscuo de uma delegacia de polícia, de onde o mesmo seguramente sairá em piores condições do que quando de seu encarceramento, com evidentes prejuízos não apenas a ele próprio, mas a toda sociedade [...] (Adolescentes em Delegacias. Da legalidade/inconstitucionalidade.http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=357).

Desse modo, conclui-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente não tem o objetivo de aplicar uma pena para retribuir a conduta típica do adolescente infrator, mas sim aplicar medidas socioEDUCATIVAS a fim de auxiliar positivamente o mesmo em sua ressocialização, o que com certeza não ocorrerá com a colocação dos mesmos nas celas da Delegacia Polícia de Palhoça.

Nesse contexto, urge trazer à baila a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal:

[...] A proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo legislador foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medidas adotadas visam não apenas à responsabilização do interessado, mas o seu aperfeiçoamento como membro da sociedade, a qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus componentes, incluídos aí os menores [...] (STF - HC 94938 / RJ - RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento:  12/08/2008. Órgão Julgador:  Primeira Turma) (grifo nosso).

Além disso, é possível deduzir do caso em tela que não deve a omissão do administrador prosperar, no tocante ao não cumprimento da legislação protetiva prevista em favor do adolescente, pois submeter os infratores a repartições inadequadas e insalubres, na presença de adultos, vilipendia os direitos dos mesmos, causando evidente prejuízo aos sujeitos do futuro do nosso país.

Logo, não deve o adolescente ser tratado como objeto descartável. Não deve ser impingido tratamento desumano, degradante e humilhante contra o autor de ato infracional. Não deve ser colocado em repartição insalubre e na presença de imputáveis, porque o nosso ordenamento e o princípio basilar da dignidade da pessoa humana refutam referidas práticas desprezíveis. 

Assim, conclui-se que caso o gestor público seja relapso e atue com descaso no que se refere aos direitos fundamentais relacionados ao adolescente, não só permite-se, como também impõe-se a pronta atuação deste Órgão do Ministério Público, assim como do Poder Judiciário, no objetivo de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais.


VI – DA NECESSIDADE DA LIMINAR:

O tratamento humilhante e degradante a que são submetidos os adolescentes em conflito com a lei colocados na Delegacia de Polícia de Palhoça deve cessar imediatamente, exigindo que esta pretensão seja deferida desde o recebimento da presente inicial.

De outro modo, a postergação do problema poderia levar à inocuidade da medida, já que os adolescentes correm sérios riscos permanecendo em ambiente insalubre e na presença de adultos.

Atente-se que não só a Lei n. 7.347/85, em seu artigo 12, caput, como também o artigo 213, § 1º, da Lei n. 8.069/90, autorizam, mediante a relevância do fundamento da demanda e do justificado receio da ineficácia do provimento final, a concessão de liminar para conceder previamente o direito que se pretende resguardar, senão veja-se:

Do artigo 12, caput, da Lei n. 7.347/85, tem-se que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo."

E, do artigo 213, §1º, insculpido na Lei n. 8.069/90:

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. 

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu. 

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. 

Registre-se que a verossimilhança, requisito necessário à outorga da decisão liminar, encontra respaldo fático nos próprios fundamentos já narrados, vez que o direito pátrio impõe celeridade a toda medida que visa resguardar direitos dos adolescentes.

Além disso, este Órgão Ministerial está pleiteando apenas o que o  Estado tem obrigação de fazer.

De mais a mais, extrai-se da documentação juntada neste Inquérito Civil Público que a situação irregular em que se encontram as celas da Delegacia de Polícia de Palhoça persiste há bastante tempo, devendo ser reprimida de pronto tal situação, sob pena de se continuar a aplicar diariamente aos adolescentes tratamento indigno e lesivo a seus interesses.

Ressalte-se que se há ordem judicial determinando a interdição de uma das celas da Delegacia de Polícia de Palhoça, objetivando não segregar adultos nos aludidos cubículos, obviamente não poderá ser permitida também a presença de adolescentes nas mesmas.

Os fatos probandos são notórios e de conhecimento geral. Aguardar o julgamento definitivo do mérito poderá perpetuar danos irreversíveis a quem muito já sofreu social, psicologicamente e fisicamente.

Enfim, os adolescentes pedem socorro!

E caso não sejam colocados em repartições policiais com instalações apropriadas e em ambiente isolado dos adultos, os adolescentes terão a vida comprometida, pois no momento oportuno para buscar a ressocialização e amparo a fim de alcançar uma vida regrada, estão sendo vítimas do descaso do Poder Público. E quando se trata de risco às vidas dos adolescentes, esse é realmente o caso, relembrando-se aqui que um preso que se encontrava segregado na cela da Delegacia de Palhoça veio a óbito (fls. 23 e 24 e 47). 

Fica assim demonstrada a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de ineficácia do provimento final, motivo pelo qual a concessão da liminar é medida que se impõe.

E, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que seja cominada multa diária para o caso do Estado não providenciar instalações adequadas para alocar os adolescentes infratores, em seção isolada dos adultos, e para o caso de ser mantido algum adolescente nas celas atuais totalmente insalubres.


VII – DO "CONTEMPT OF COURT" E O BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS:

Sabe-se que o agente do Estado atua em nome do ente público e é diretamente responsável pela administração.

É sabido também que o Estado em si não possui vida, uma vez que é dirigido por gestores.

Assim, o Estado possui comandantes que assumem a responsabilidade, no período do mandato, de administrar nos termos das leis e de respeitar eventual decisão judicial prolatada em desfavor do ente público. 

Todavia, não raras vezes aquele que ocupa o cargo público, mesmo conhecedor da existência de multa fixada contra o ente público para o caso de descumprimento de decisão judicial, age com irresponsável descaso frente à liminar concedida, pois sabe que os valores sairão dos cofres públicos, ou seja, recai sobre os cidadãos, já que o administrador público não se sensibiliza com o prejuízo e continua a agir ilegalmente.

A imposição de multa para pagamento pela Fazenda Pública é medida legal, que visa ao cumprimento da decisão. Contudo, como o valor da multa não é suportado pelo agente público, mas sim pelo Estado, esta circunstância tem gerado o desrespeito das decisões judiciais, além de duplo prejuízo para a população: primeiro porque o agente público não cumpre com suas obrigações; segundo porque o pagamento da multa é feito com dinheiro público.

Diante do descaso referido, o legislador pretendendo dar plena efetividade aos provimentos judiciais relativos às obrigações de fazer, fez constar no § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil que:

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

A partir daí novo entendimento doutrinário e jurisprudencial tem sido aplicado e tem permitido melhores resultados, com maior respeito às decisões proferidas.

Inúmeras decisões continuam a fixar a multa, com a diferença de que a mesma deve ser suportada pelo próprio agente público, pois é totalmente descabido ver a multa recair sobre a pessoa jurídica, quando esta depende da manifestação de vontade da pessoa física que exerce a função pública.

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de Luiz Guilherme Marioni, que leciona:

“Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente a agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional”.
"Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender à decisão – e não a cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público." (Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo: RT, 2004, p. 661-662)

Ademais, no dizer de Ada Pelegrini Grinover, “Contempt of Court” significa:

 “a prática de qualquer ato que tenda a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem” (GRINOVER, Ada Pelegrini, Abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court, Marcha, pp 62/69, especialmente, p. 68, ano 2000).

Portanto, objetivando a credibilidade do Poder Judiciário, este instituto deve ser aplicado sempre que decisões judiciais forem desrespeitadas.

Acerca da aplicação da multa em desfavor do gestor, o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisão recente, assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - CENTRO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE TUBARÃO - PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES - MORA DO PODER ESTATAL CARACTERIZADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA - CUMPRIMENTO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL – DESCABIMENTO. 
1 Em se tratando de violação a direitos assegurados constitucionalmente - dentre eles, o da proteção integral ao adolescente, inclusive do infrator (CF, art. 227) -, o Poder Judiciário não só pode como deve intervir e determinar a sua observância pelo Poder Executivo.
2 "A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada pelo Poder Público, com a propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de 'mínimo existencial', que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança" (AgRg-ARE n. 639337/SP, Min. Celso de Mello, j. 23.8.2011). (TJSC - Agravo de Instrumento n. 2011.006614-3, de Tubarão. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 18/01/2012) (sem grifo no original) 

E extrai-se do acórdão:

[...] entendo ser plenamente cabível a fixação de astreinte contra o agente público responsável pela tomada das providências necessárias ao cumprimento da decisão. Ora, nada impede que a autoridade pública venha posteriormente aos autos comunicar ao Juízo a existência de situação excepcional impeditiva da obediência do comando judicial, no interregno nele fixado, sem afrontar, por conseguinte, o seu direito ao contraditório e à ampla defesa [...]

É essencial aqui a responsabilização pessoal dos gestores, pela omissão estatal, porque o problema relacionado às celas da delegacia de polícia de Palhoça já se arrasta há anos e, mesmo com a ciência acerca da precariedade da situação e a promessa de que a adequação desses espaços seria efetivada (fl. 99), nada foi feito. 

Aliás, a situação apenas piorou, pois a cela interditada continua sendo utilizada em desobediência à ordem judicial e ainda foi criada outra cela, denominada de sala de contenção, onde adolescentes, junto com adultos, algumas vezes, iniciam um martírio e uma verdadeira tortura psicológica nesses compartimentos.

Assim, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que ao ser cominada multa diária ao Estado, seja a mesma cobrada pessoalmente do Secretário de Estado da Segurança Pública, Sr. César Augusto Grubba (50% da multa imposta), e cobrada pessoalmente da Secretária de Estado da Justiça e Cidadania, Sr. Ada Faraco De Luca (50% da multa aplicada), diretamente de suas folhas de pagamento, para o caso de descumprimento da liminar.

Por fim, como forma de garantir o provimento jurisdicional, deve ser determinado o bloqueio dos valores nas contas do Tesouro Estadual na quantia a ser utilizada para adequação, reforma ou construção das celas da Delegacia de Polícia de Palhoça destinadas aos adolescentes apreendidos pela prática de ato infracional, o que deverá ser apurado por meio de perícia a ser designada perante esse Juízo.

Quanto a isto, assim já se decidiu:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FAZENDA PÚBLICA. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA. (Resp. N. 836.913/RS, Rel Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. Em 08/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 371).

Assim, as medidas postuladas anteriormente têm o condão de garantir a efetividade do provimento jurisdicional.


VIII – DOS REQUERIMENTOS:

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer:

1. O recebimento da inicial; 

2. A concessão de liminar inaudita altera pars consistente em ordem judicial de obrigação de fazer, ou seja, que o Estado de Santa Catarina:

2.1 Providencie, imediatamente, todas as medidas necessárias para que nenhum adolescente apreendido pela prática de ato infracional neste Município de Palhoça permaneça nas atuais repartições/celas inadequadas localizadas na Delegacia de Polícia de Palhoça, proibindo-se inclusive a entrada de adolescentes nas celas referidas;

2.2 Providencie, imediatamente, todas as medidas necessárias para que nenhum adolescente apreendido pela prática de ato infracional neste Município de Palhoça permaneça na mesma seção que adulto segregado, nos termos do art. 185, § 2º, da Lei n. 8.069/90;

2.3 Providencie, por meio de reforma, construção ou outra forma cabível, no prazo de 90 (noventa dias), instalações apropriadas na Delegacia de Polícia de Palhoça para alocar os adolescentes apreendidos pela prática de ato infracional, nos moldes do art. 185, § 2º, da Lei n. 8.069/90, observando as diretrizes da Vigilância Sanitária, da Vigilância Epidemiológica, do Corpo de Bombeiros Militar, bem como de outras entidades fiscalizadoras; 

2.4 Providencie, imediatamente, repartição com instalações apropriadas, de acordo com o item anterior, em seção isolada dos adultos, localizada na região da Grande Florianópolis/SC, para encaminhar os adolescentes apreendidos pela prática de ato infracional no Município de Palhoça, até que seja providenciada repartição policial adequada nesta Comarca, conforme descrito no item anterior, aplicando-se, analogicamente, o disposto no art. 185, § 1º , da Lei n. 8.069/90 (inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art. 123, o adolescente deverá ser imediatamente transferido para a localidade mais próxima);

2.5 Informe, no prazo de 10 (dez) dias, para onde serão encaminhados os adolescentes apreendidos na prática de ato infracional no período de transição citado no item 2.4, bem como no que consistirá a adequação de espaços adequados aos adolescentes (reforma, construção, etc...), conforme item 2.3;

3. A fixação, em caso de não cumprimento da liminar, de:

3.1 - multa diária equivalente a R$ 1.000,00 (mil reais), a ser descontada diretamente das folhas de pagamento do Secretário de Estado da Segurança Pública e da Secretária de Estado da Justiça e Cidadania (na proporção de 50% [cinquenta por cento] para cada gestor), revertendo a mesma em favor do Fundo da Infância e Juventude de Palhoça, independentemente das sanções penais correspondentes;

3.2 - bloqueio dos valores nas contas do Tesouro Estadual na quantia a ser utilizada para adequação, reforma ou construção das celas da Delegacia de Polícia de Palhoça destinadas aos adolescentes apreendidos pela prática de ato infracional, o que deverá ser apurado por meio de perícia a ser designada perante esse Juízo.

4. A citação do requerido para que, querendo, conteste a ação, na pessoa de seus representantes legais; 

5. A produção de todas as provas em direito admitidas, documental, pericial e testemunhal, por intermédio da inquirição das pessoas adiante arroladas;

6. Seja julgado procedente o pedido ao final, mantendo-se a liminar concedida. 

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Palhoça, 27 de janeiro de 2012.


AURÉLIO GIACOMELLI DA SILVA
PROMOTOR DE JUSTIÇA



Rol de Testemunhas:


1. Gizelly Rodrigues – Assistente Social do Ministério Público de Palhoça/SC (fl. 109);

2. Gisele de Faria Gerônimo - Delegada Regional de Polícia (fl. 106);

3.Flávio Schmidt - Fiscal da Vigilância Sanitária de Palhoça (fl. 123). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário