AUTOS N. 045.12.000624-8
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
1. Tenho em mãos AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA em face do ESTADO DE SANTA CATARINA, SECRETARIA DE
ESTADO DA SEGURANÇA e SECRETARIA DE
ESTADO DA JUSTIÇA E CIDADANIA, na qual o autor requer que os réus sejam
compelidos a reformar ou construir instalações apropriadas na Delegacia de
Polícia de Palhoça, aptas a receber adolescentes apreendidos pela prática de
ato infracional.
2. Inicio fazendo um pequeno reparo de
ordem processual na petição inicial.
As duas Secretarias de Estado arroladas no polo
passivo não podem figurar como parte nesta ação, porque são órgãos públicos
despersonalizados, frutos do fenômeno que Celso Antônio Bandeira de Mello chama
de “desconcentração” (in Curso de Direito Administrativo. 11a
ed. São Paulo, Malheiros Editores, 1999. Pág. 97). Ambas não passam de
simples repartições que integram a estrutura administrativa do Estado de Santa
Catarina e que dele não se distiguem.
Portanto, se alguma omissão existe no tocante à
política pública voltada para o atendimento dos adolescentes em conflito com a
lei, quem deve ser responsabilizado é o Estado de Santa Catarina, e não suas
Secretarias.
É da jurisprudência:
“A Secretaria Municipal do Meio Ambiente é parte ilegítima para integrar o pólo passivo
de ação ordinária que visa à renovação de alvará de comércio ambulante, uma vez
que, como ente despersonalizado, opera como mero agente da pessoa jurídica de
direito público a qual pertence, no caso, o Município de Porto Alegre” (TJRS, Agravo interno n. 70031382690, da
Comarca de Porto Alegre, rel. Des. João Carlos Branco Cardoso, j. em
02.09.2009).
Por esses motivos,
EXCLUO do polo passivo desta ação a SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA e a SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E
CIDADANIA.
3. A petição inicial traz em seu bojo
pedido de antecipação de tutela.
O instituto da
antecipação de tutela tem plena aplicabilidade no âmbito da ação civil pública,
em face do que estabelecem os arts. 12 e 19 da Lei 7.347/85; arts. 84, §4º e 90
da Lei 8.078/90; e art. 273 do CPC.
Para que um
pedido de antecipação de tutela tenha sucesso, deve haver prova inequívoca da
verossimilhança das alegações feitas na inicial. Além disso, há que se
verificar a existência de receio de dano irreparável ou de difícil reparação,
ou caracterização do abuso do direito de defesa.
Examinando os autos, vejo que as alegações feitas na
inicial são verossímeis.
Na Comarca de
Palhoça, não existem entidades com as características definidas no art. 123 do
ECA, destinadas a receber adolescentes infratores.
Em razão disso,
os adolescentes que são apreendidos aqui costumam aguardar sua remoção para
outros locais no Estado, permanecendo em repartição policial por até cinco
dias, conforme faculta o art. 185, §2o, do ECA.
Sucede que a
única Delegacia de Polícia existente em Palhoça não possui espaço apropriado
para receber menores infratores. É o que infiro do ofício de fls. 104/106,
redigido pela Delegada Regional de Polícia, Dra. Gisele de Faria Jerônimo:
“(...) a Delegacia de Polícia da Comarca de Palhoça possui sérias
limitações físicas e dispõe de uma única cela que já foi interditada pelo
Judiciário local em face de sua precária condição.
Desde 23 de dezembro de 2010 os presos permanecem na cela da Delegacia
somente nos horários em que a Central de Triagem da Capital, por medida de
segurança, deixa de receber os mesmos.
No setor destinado ao atendimento ao público, que chamamos de
Comissariado, foi desativado um depósito e criada uma “sala de contenção” onde
permanecem aquelas pessoas conduzidas até a lavratura do procedimento e
posterior encaminhamento para a Central de Triagem ou mesmo para permanência na
cela da Delegacia até ser efetivada a sua transferência.
Nesse espaço permanecem os adolescentes até a concessão da vaga para
sua transferência.
Referido local já foi alvo de críticas por parte do público interno e
externo, uma vez que a permanência de pessoas no local acaba por gerar ruído e
odores tornando o local totalmente insalubre para aqueles que ali trabalham e
aqueles que são atendidos na Delegacia.
Em resumo, Senhor Promotor, a Delegacia de Palhoça não possui espaço
adequado para manter presos, sejam adultos ou adolescentes. Todo o possível é
feito para dar cumprimento as determinações legais, porém não há outro local
para se manter adolescentes senão a sala de contenção anexo ao Plantão da
Delegacia” (fls. 104/105).
No parecer
lavrado pela assistente social Gizelly Rodrigues (fls. 107/113), ficou
esclarecido que os adolescentes costumam aguardar sua transferência em duas
celas distintas, ambas com aspectos insalubres, pouca ventilação, mofo nas
paredes, sendo que, numa dessas celas, sequer há banheiro ou local para sentar
ou deitar. Segundo a referida profissional, “(...) a reclusão de adolescentes
naquele ambiente pode apresentar riscos ao processo de desenvolvimento e
principalmente de recuperação dos mesmos” (fl. 108).
O parecer da
Vigilância Sanitária do Município de Palhoça segue no mesmo tom. Colho do
relato de inspeção:
“(...) um acúmulo de
detentos num pequeno espaço com pouca circulação de ar agrava a situação de
risco de transmissão de doenças causadas por fungos, como micoses, doenças
respiratórias. Cito também o risco de contrair tuberculose caso haja um doente
bacilífero entre os demais.
As paredes e o teto
necessitam de pintura, o banheiro não oferece condições satisfatórias de
higiene, é recomendado também colchões com revestimento impermeável. Percebemos
que é difícil manter um ambiente livre de umidade, pois há apenas uma entrada
de ar, isso dificulta a circulação. Na parte interna da delegacia há um local
também destinado a reclusão. Porém, também não oferece condições satisfatórias
de higiene, já que aparentemente o que era um corredor foi transformado em uma
pequena cela sem banheiro e cama. Quando nos referimos a parte de alimentação
(...) isso também pode se tornar um problema pela má conservação dos alimentos
e/ou restos de alimentos deixados no local causando um surto de vetores.
Sendo
assim, considerando as normas sanitárias vigentes e o manual de orientações
sobre as normas sanitárias do sistema carcerário, verificamos que os locais
citados, oferecidos como cela de detenção continuam em "desacordo"
com a legislação sanitária (fls. 122/123)”
Mais
impressionante ainda é o relato feito pelo adolescente apreendido nos autos n.
045.12.000737-6, o qual ficou detido na Delegacia de Polícia de Palhoça por
alguns dias, aguardando transferência para uma entidade educacional. Esse
relato consta na petição inicial, fls. IX, mas o repriso abaixo, porque dá a
exata dimensão da gravidade do caso em pauta:
"[...]
10:01 - Promotor de Justiça: você foi
apreendido quando?
Adolescente: sábado;
Promotor de Justiça: você está desde sábado lá. Hoje é quarta-feira; Você tomou
banho quantas vezes lá na cela?
Adolescente: uma vez só... eu pedia todo dia, não sou porco... Tomava
banho todo dia em casa, como qualquer pessoa normal;
[...]
10:37
- Promotor de Justiça: você está em
que cela ali? Tem uma cela dentro e a outra do lado de fora.
Adolescente: agora eu estava na cela do lado do escrivão da Palhoça,
mas eu estava na cela que os presos estavam. Os presos maiores...
Eu
só comi junto com eles; fiquei uns 20 ou 30 minutos...
Promotor de Justiça: ficasse 20 ou 30 minutos então com os maiores?
Adolescente: Sim... na cela onde ficam os presos;
Promotor de Justiça: Como está esta cela lá? Muito complicado de ficar ali?
Adolescente: eu não queria nem que o meu cachorro lá de casa ficasse
naquela cela; Até meu cachorro vive melhor.
Promotor de Justiça: Mas por quê?
Adolescente: mau cheiro, não tem bacil para o cara fazer as
necessidades...
Promotor de Justiça: Como fizesse as suas necessidades?
Adolescente: eu nem fiz, só mijei.
Promotor de Justiça:como você urinou?
Adolescente: tem um buraquinho que desce a água... na cela de dentro
urinei num litrinho de refrigerante 13:07 [...]"
[...] (Transcrição de depoimento, em Juízo,
prestado por adolescente Representado nesta Comarca de Palhoça e apreendido na
Delegacia de Polícia deste Município. Autos n. 045.12.000737-6. Data:
25/01/2012).
Como se vê, os
adolescentes detidos na Delegacia de Palhoça estão sendo privados de direitos
básicos, pois ficam sem tomar banho durante longo período e não conseguem
acessar o banheiro para fazer suas necessidades com a frequência necessária.
Ainda são obrigados a permanecer em ambiente com odor insuportável de urina, na
qual há risco de proliferação de doenças infectocontagiosas, em razão da
ventilação insuficiente, da falta de higiene e da iluminação escassa.
Não bastasse
isso, há ocasiões em que os adolescentes são colocados juntos com pessoas
adultas, o que fere de morte o disposto no art. 185, §2o, do ECA.
Essa situação
calamitosa já é de conhecimento do Estado de Santa Catarina. Em novembro de
2010, a cadeia situada na Delegacia de Polícia de Palhoça foi interditada pelo
Juízo da 2a Vara Criminal desta Comarca, porque considerada inapta
para acolher os presos da região (vide decisão de fls. 71/74). O Estado, embora
tenha sido notificado a respeito desta decisão, não tomou providência. Nenhuma
reforma foi feita.
Se essa cadeia
não oferece condições dignas para receber pessoas maiores de idade, é evidente
que também não pode servir para acolher adolescentes infratores.
Neste cenário,
resta mais que clara a omissão do Estado de Santa Catarina. Os adolescentes da
Comarca de Palhoça estão recebendo tratamento que ofende sua dignidade, porque
o Estado nega-se a respeitar os princípios da proteção integral e da prioridade
absoluta, deixando de investir o mínimo necessário para ter celas capazes de
abrigar infratores.
A omissão do
Estado de Santa Catarina viola, de uma só vez, os seguintes dispositivos da
Constituição Federal de 1988: art. 1o, inciso III; art. 5o,
incisos III e XLIX; e art. 227, caput, e
§3o, inciso V. Também estão sendo ofendidos os arts. 3o,
4o, 5o, 6o, 18 e 124, incisos V, IX e X, todos
do ECA.
O Poder
Judiciário não pode ficar inerte frente a este quadro. Configurada a omissão
estatal, o magistrado tem o dever de combatê-la, fazendo o Poder Executivo
lembrar que a Constituição Federal de 1988 ainda existe e precisa ser
respeitada. É o que ensina Américo Bedê Freire Júnior:
“(...) em regra, o Executivo e o Legislativo devem proporcionar a
efetivação da Constituição; contudo, quando tal tarefa não foi cumprida, não
pode o juiz ser co-autor da omissão e relegar a Constituição a um nada
jurídico.
Corroborando a função subsidiária do juiz na implementação das
políticas públicas, Oswaldo Palu pontifica: ‘No Estado Democrático de Direito,
a questão da escolha de prioridades cabe a um legislador democraticamente
eleito e, em nosso sistema presidencialista, a um governo democraticamente
eleito, que, como sabemos, trata-se do executivo e sua base de apoio
parlamentar. E somente em casos de desvios erráticos ou de uma passividade
arbitrária ante casos evidentes de situações precárias cabe uma correção,
constitucionalmente fundada aos atos de governo’.
Não existe discricionariedade na omissão do cumprimento da
Constituição. Na verdade, trata-se de arbitrariedade que pode e precisa ser
corrigida.
Ademais, a Constituição prevê em seu art. 5o, XXXV,
peremptoriamente que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça de direito. Uma interpretação adequada do dispositivo leva à
conclusão de que não somente a lei, mas também atos, inclusive omissivos, do
Poder Legislativo e Executivo não podem ficar sem controle” (FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. 1a
ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2005. Págs. 70/71).
Sobre o tema do
controle judicial das omissões do Poder Público, cito o seguinte julgado do
STF:
“(...) se o Estado deixar de adotar medidas necessárias à realização
concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos,
operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de
prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto
constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a
insconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a
providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo
poder Público (...). As situações configuradas de omissão insconstitucional – ainda
que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo
Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta
Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser
repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos
processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à
censura do Poder Judiciário” (STF, ADI
1.458 MC/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.05.1996).
E nem se diga
que a omissão do Estado de Santa Catarina seria justificável pela falta de
recursos financeiros. Estamos tratando de direitos dos adolescentes, os quais
gozam de proteção integral e devem ser garantidos com absoluta prioridade pelo
Poder Público (art. 227 da CF/88 e arts. 3o e 4o do ECA).
Não pode alegar falta de recursos um Estado que investe milhões de reais em
propaganda do governo e deixa em último plano a reserva de verbas para
concretizar os direitos dos adolescentes. Inaplicável aqui, portanto, a chamada
“cláusula da reserva do possível”.
Volto a buscar
amparo na jurisprudência do STF para fundamentar minha decisão:
“CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE
ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E À
JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE
SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA–PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO
ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO,
DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO.
DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819).
COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796).
IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO
POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO
BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE
E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE
JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO
DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM
COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA
CRIAÇÃO
JURISPRUDENCIAL DO DIREITO.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -1220). RECURSO
EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO” (STF, RE 482.611/SC, Decisão Monocrática,
rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.03.2010).
Importante
frisar que o pedido de reforma das celas é algo que pode ser facilamente
atendido pelo Estado de Santa Catarina, sem que haja comprometimento do
orçamento público. Não se está exigindo neste processo a edificação de uma obra
de grande porte, altamente custosa, mas sim a simples adequação de um espaço
destinado a receber adolescentes infratores.
Justo, pois,
que o pleito de antecipação de tutela articulado pelo Ministério Público seja
acolhido. As alegações feitas na inicial são verossímeis. De outro lado, há
risco de dano irreparável. As celas precisam ser melhoradas imediatamente, sob
pena da dignidade dos adolescentes que lá permanecem, ainda que durante um
breve período de tempo, continue sendo violentada.
Estou deferindo
o pedido de antecipação de tutela, sem a prévia oitiva do Estado de Santa
Catarina, porque entendo que o caso sob exame é excepcional. A omissão de que
trato aqui é gravíssima, pois vem acarretando a violação de direitos humanos de
adolescentes em conflito com a lei. Portanto, não há tempo a perder.
Sobre a
possibilidade de deferimento de liminar em ação civil pública, sem prévia
oitiva do Estado, vale conferir o seguinte precedente:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CONCESSÃO DE LIMINAR SEM OITIVA DO PODER PÚBLICO. ART. 2° DA LEI 8.437/1992.
AUSÊNCIA DE NULIDADE.
1. O STJ, em casos excepcionais, tem
mitigado a regra esboçada no art. 2º da Lei 8437/1992, aceitando a concessão da
Antecipação de Tutela sem a oitiva do poder público quando presentes os
requisitos legais para conceder medida liminar em Ação Civil Pública.
2. No caso dos autos, não ficou
comprovado qualquer prejuízo ao agravante advindo do fato de não ter sido
ouvido previamente quando da concessão da medida liminar .
3. Agravo Regimental
não provido”. (STJ, AgRg no AI 1.314.453/RS, rel.
Min. Herman Benjamin, j. em 21.09.2010).
O argumento da irreversibilidade também não pode
obstar o deferimento da antecipação de tutela buscada pelo Ministério Público.
Como bem destacou o Desembargador Jaime Ramos, membro do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n.
2011.039816-7, “a legislação que rege a matéria deve ser interpretada sob a
ótica da proporcionalidade no sentido da possibilidade da concessão da tutela
antecipada, ainda que irreversível a medida, quando for absolutamente necessário
obrigar o Poder Público a satisfazer, de modo excepcional, obrigação de
proporcionar à população os direitos básicos assegurados na Carta Magna”.
Com essas considerações, DEFIRO o pleito de antecipação de tutela constante na inicial, para:
(A) PROIBIR, imediatamente,
o ingresso e permanência de adolescentes apreendidos por atos infracionais na
“sala de contenção” e celas localizadas na Delegacia de Polícia de Palhoça;
(B) PROIBIR, imediatamente,
que adolescentes apreendidos pela
prática de atos infracionais nesta comarca permaneçam na mesma seção que adulto
segregado, nos termos do art. 185, § 2o, do ECA;
(C)
DETERMINAR que o réu providencie, por meio de reforma, construção ou outra
forma cabível, no prazo de 90 dias, instalações apropriadas na Delegacia de
Polícia de Palhoça para alocar os adolescentes apreendidos pela prática de ato
infracional, nos moldes do art. 185, §2o, do ECA, observando as
diretrizes da Vigilância Sanitária, Vigilância Epidemológica, do Corpo de
Bombeiros Militar, bem como de outras entidades fiscalizadoras;
(D) ORDENAR que
o réu providencie, imediatamente,
repartição com instalações apropriadas,
de acordo com o item anterior, em seção isolada dos adultos, localizada na
região da Grande Florianópolis/SC, para encaminhar os adolescentes apreendidos
pela prática de ato infracional no Município de Palhoça, até que seja
providenciada repartição policial adequada nesta Comarca, conforme descrito no
item anterior, aplicando-se analogicamente, o disposto no art. 185, §2o,
do ECA;
(E) ORDENAR que
o réu informe, no prazo de 10 dias, para onde serão encaminhados os
adolescentes apreendidos na prática de ato infracional no período de transição
citado no item acima, bem como no que consistirá a adequação (reforma,
construção etc) dos espaços destinados aos adolescentes na Delegacia de Polícia
de Palhoça.
4. Considerando
que no item “C” acima foi
estabelecida obrigação de fazer, nada impede que seja fixada uma multa
cominatória para coagir o Estado a realizar a adequação necessária nas celas da
Delegacia de Polícia de Palhoça. Tal multa encontra respaldo nos arts. 287 e
461 do CPC, bem como no art. 11 da Lei 7.347/85.
Definindo o alcance do art. 11 da Lei 7.347/85, o
Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a multa “(...)
pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às
autoridades e aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações
judiciais” (STJ, REsp 1111562/RN, rel.
Min. Castro Meira, j. em 25.08.2009). A única exigência que se faz, para
que a multa seja destinada às autoridades responsáveis pelo adimplemento da
obrigação de fazer, é que as mesmas sejam notificadas, de alguma forma, para se
manifestarem nos autos, de maneira que possam exercer os direitos ao
contraditório e à ampla defesa.
No bojo do acórdão lavrado nos Edcl no REsp
1111562/RN, o Ministro Castro Meira deixou consignado que essa notificação da
autoridade deve ser realizada antes da tomada da decisão liminar. Neste ponto,
peço vênia para discordar. Se o próprio STJ entende que em casos excepcionais a
liminar na ação civil pública pode ser deferida sem a oitiva da parte
contrária, não vejo problema em estabelecer a multa cominatória destinada à
autoridade pública inaudita altera pars.
Como bem ponderado pelo Desembargador do TJSC, Luiz Cézar Medeiros, no voto
proferido no Agravo de Instrumento n. 2011.006614-3, “nada impede que a
autoridade pública venha posterimente aos autos comunicar ao Juízo a existência
de situação excepcional impeditiva da obediência do comando judicial, no
interregno nele fixado, sem afrontar, por conseguinte, os seu direito ao
contraditório e à ampla defesa”.
Isto posto, FIXO
multa cominatória, no valor de R$ 1.000,00 para cada dia de atraso (R$
500,00 para cada secretário), destinada ao Secretario de Estado da Segurança
Pública, Senhor César Augusto Grubba, e à Secretária de Estado da Justiça e
Cidadania, Sra. Ada Faraco de Luca, a fim de persuadir ambos a tomarem as
providências necessárias no sentido de tirar o Estado de Santa Catarina de sua
inércia e fazê-lo cumprir a obrigação de fazer estabelecida no item “C” da página n. 10 desta decisão.
Tal multa será descontada diretamente da folha de
pagamento dos citados secretários, sendo revertida em favor do FIA – Fundo da
Infância e Juventude de Palhoça.
5. CITE-SE o
réu (via oficial da infância e juventude), na pessoa do Procurador Geral do
Estado, para, se desejar, ofertar defesa, no prazo legal (art. 297 c/c art. 188
do CPC).
6.
NOTIFIQUEM-SE, pessoalmente (via oficial da infância e juventude), o
Secretario de Estado da Segurança Pública, Senhor César Augusto Grubba, e a
Secretária de Estado da Justiça e Cidadania, Sra. Ada Faraco de Luca, para, se
desejarem, apresentar defesa, na condição de terceiros interessados, no mesmo
prazo estabelecido no item “5” acima.
7.
NOTIFIQUE-SE o Delegado Regional (via oficial da infância e juventude),
responsável pela Delegacia de Polícia de Palhoça, para que cumpra as
determinações contidas nos itens “A” e “B” de fl. 10 desta decisão.
8.
NOTIFIQUE-SE o DEASE (via oficial da infância e juventude), na pessoa do
Gerente Roberto Augusto Carvalho Lajus, para que tome conhecimento desta
decisão.
9. INTIMEM-SE
e CUMPRA-SE, com urgência.
Palhoça (SC), 24 de fevereiro de 2012.
André Augusto Messias Fonseca
Juiz de Direito
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