O
sistema de atendimento socioeducativo em Santa Catarina – que, há 15 anos, era
considerado exemplo para os outros estados – é, hoje, o quarto pior do país.
A
péssima situação é resultado direto de 10 anos sem investimentos em pessoal e
estrutura física. No período, nenhuma unidade foi construída no Estado, e as
existentes deterioraram-se, como o São Lucas, em São José, que foi demolido.
Lamentavelmente,
uma década perdida.
Em 1997,
uma comissão formada por profissionais da área de políticas de atendimento a
adolescentes em conflito com a lei, vinda do Paraná, aterrissou em
Florianópolis. O grupo queria conhecer o sistema catarinense, naquela época
considerado referência no país. Quinze anos depois, a avaliação dos técnicos da
área é que Santa Catarina derrocou em termos de políticas de atendimento ao
adolescente infrator. Para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Estado é
hoje o quarto pior, entre as 27 unidades da federação.
Ao
adquirir conhecimento e transformá-lo em saber, estados como o Paraná
posicionam-se bem à frente de Santa Catarina na execução de medidas
socioeducativas. O caminho referência-decadência pode ser visto também em
recente publicação da Rede Andi, divulgada semana passada em Brasília, e da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O diagnóstico foi
um dos balizadores do seminário Direitos em Pauta, que discutiu o papel da
imprensa, agenda social e adolescentes em conflito com a lei.
Quase
que a totalidade dos estados brasileiros esteve presente. O governo catarinense
recebeu o convite, mas a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania não enviou
representantes. No relatório, Santa Catarina não é citada como Estado onde
ocorrem “boas práticas”. Na análise, têm mais destaque regiões com índices bem
menores de desenvolvimento social, PIB e renda per capita, como Acre, Sergipe e
Pará.
– Atendimento
socioeducativo é uma política de Estado, e não de governos – sugere Bernadete
Sant’Ana, a Berna, diretora do Departamento de Administração Socioeducativo, o
Dease.
Para
diretora, Estado perdeu uma década.
Talvez
por esse mesmo entendimento, estados onde mesmo que historicamente o problema
pareça mais grave, por causa do alto número de infratores, estão se saindo
melhor:
– Se
São Paulo deu a volta por cima, mesmo com 8 mil internos e oriundo de um
processo da famigerada Febem, por que Santa Catarina não consegue com apenas
415? – pergunta-se Berna.
Com
quase 30 anos de atuação, a também arte-educadora acredita que a dificuldade
esteja em vencer uma cultura que privilegia a internação como aditivo da visão
do “crime e castigo”. Além disso, na última década não houve investimentos em
pessoal e estrutura física – nenhuma unidade nova foi construída para
internação.
– Nós
perdemos a última década – lamenta.
Unidades
como o Centro Educacional São Lucas, em São José, foram deteriorando-se com o
passar do tempo. A demolição, em junho do ano passado, simbolizou mais do que
um desmonte físico: a implosão também pretendeu tornar pó o que foi
identificado como “masmorra” pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em
fase de licitação, o novo Centro de Atendimento Socioeducativo da Grande
Florianópolis será erguido no mesmo local. O trabalho de fundação está previsto
para os próximos dias. O prédio segue recomendações do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase). Assim como a implosão, o erguimento das
paredes simboliza a esperança de um novo enfrentamento para as políticas
socioeducativas em Santa Catarina. Mesmo que para isso tenha que espichar o
olho para outros estados.
dependência química é
praticamente uma regra
De acordo com um perfil traçado pelo
Departamento de Administração Socioeducativo
(Dease), o ato infracional mais praticado no ano
passado foi furto. Apesar de o Dease carecer de
dados que comprovem a faixa etária e a relação com
a dependência química, a estimativa é de que ela
atinja 98% dos adolescentes infratores. Para tratá-los,
existem convênios com oito espaços terapêuticos.
São 104 vagas conveniadas.
Outro dado revela que aumentou o grau de escolaridade dos internos, assim como as
“justificativas” para a prática de atos infracionais contra
a vida: no Oeste do Estado, agressões e tentativas de
homicídios têm como motivação a defesa da honra. No
Litoral, as mesmas práticas estão mais relacionadas ao
desejo de consumo de bens materiais.
esperança de mudança com
o novo espaço em são josé
A obra do Centro de Atendimento Socioeducativo
da Grande Florianópolis está em fase de licitação.
Orçada em R$ 12 milhões, será feita com recursos
em parceria do governo do Estado e da Secretaria
dos Direitos Humanos.
Serão 70 vagas para internações dos adolescentes
sentenciados e 20 para internos provisórios. Receberá
apenas adolescentes do sexo masculino, quase que a
totalidade da demanda na região.
O modelo segue recomendações do Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e se assemelha a unidades do Paraná e de Minas
Gerais. Contempla escola, biblioteca, teatro de arena,
centro ecumênico, ginásio esportivo e quadras. Os
alojamentos ficam no entorno dos demais prédios,
havendo também espaço para convivência.
A construção leva em conta maior segurança
também para as mães, que no antigo prédio ficavam
expostas ao sol e à chuva. Com o centro, que deverá
ficar pronto ano que vem, o
Estado passará a ter 26 unidades de internação.
Em Joinville, a obra do novo centro será entregue
em agosto. Depois de colocados os equipamentos, a expectativa é de que esteja em funcionamento até
o final deste ano. A capacidade do sistema é de 415
vagas, incluindo internação, internação provisória e
semiliberdade. Nas unidades de Lages e Chapecó, 49
adolescentes infratores estão sentenciados.
Diário Catarinense – 03/06/2012
ÂNGELA BASTOS
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