Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Fila de espera no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) - Ajuizada Ação Civil Pública para que o Município de Palhoça estruture o PAEFI e atenda cerca de 270 crianças e adolescentes que estão na demanda reprimida - Pedido de cominação de multa diária ao Prefeito e ao Secretário de Assistência Social



EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA, ÓRFÃOS, SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PALHOÇA/SC.   

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por intermédio deste Órgão de Execução, com fundamento nos artigos 1º incisos II e III, 6º,  127 caput, 129 incisos II e III e 227 todos da Constituição da República Federativa do Brasil; nos artigos 3º, 4º, 6º, 15, 70, 86, 87, 88, 148 inciso IV, 201 incisos V e VIII, 208 inciso VI, 209, 210 inciso I e 213 e seus parágrafos, todos da Lei n. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); no artigo 25 inciso IV da Lei n. 8.625/93, no artigo 82 inciso VI alínea 'c' da Lei Complementar Estadual n. 197/2000; no artigo 5º inciso I da Lei n. 7.347/85, e demais dispositivos pertinentes, vem propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO LIMINAR,

em desfavor do MUNICÍPIO DE PALHOÇA, pessoa jurídica de direito público, CNPJ n. 82.892.316/0001-08, com endereço na Avenida Hilza Terezinha Pagani, n. 289, Parque Residencial Pagani, Palhoça/SC, por seu representante legal, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:

I - DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO:

Extrai-se da Lei n. 8.069/90 que é competente o Juízo da Infância e Juventude para julgar ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, conforme se depreende da leitura do artigo 148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Infere-se, ainda, da lei acima mencionada que as ações relacionadas à criança e ao adolescente serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo Juízo terá competência absoluta para processar a causa (artigo 209 da Lei n. 8.069/90).

Paralelamente, o Código de Processo Civil (art. 100, inciso IV, alínea 'd'), dispõe taxativamente que é competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita para a ação em que se lhe exigir o cumprimento.

Portanto, como a presente Ação Civil Pública tem por escopo assegurar o atendimento sistemático pelos programas de atendimento a crianças e adolescentes residentes neste Município e Comarca de Palhoça/SC, a fixação da competência deve ocorrer neste foro judicial.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA:

Da legislação constitucional e infraconstitucional deflui a legitimação do Ministério Público para a propositura da ação civil pública na defesa dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos.

O artigo 127, caput, da Constituição Federal prescreve que: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". 

Ademais, o artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal dispõe:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 
[...] 
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

E no tocante à legitimidade do Ministério Público em ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais, coletivos ou difusos de crianças e adolescentes, claro é o artigo 201 da Lei n. 8.069/90, que enuncia:

Art. 201. Compete ao Ministério Público: 
[...]
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal; 
[...]
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

Tal legitimação decorre também do art. 25 da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

No mesmo norte, prevê o art. 82, inciso VI, alínea 'c', da Lei Complementar Estadual n. 197/2000:

Art. 82. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável:
[...]
VI - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, para:
[...]
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, individuais homogêneos, difusos e coletivos relativos à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e às minorias étnicas.

Não se olvida, ainda, que a Lei n. 7.347/85, em seu art. 5º, autoriza o Ministério Público a propor ações destinadas à tutela desses interesses em juízo. 

Ademais, sobre o tema, já se decidiu:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO [...] A Constituição Federal estabeleceu, no art. 129, III, que é função institucional do Ministério Público, dentre outras, “promover o inquérito e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Precedentes. (STF - RE 576155 / DF - DISTRITO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgamento: 12/08/2010. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno) (grifou-se)

Corrobora:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS [...] O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos (CF/88, arts. 127, § 1º, e 129, II e III). Precedente do Plenário: RE 163.231/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 29.06.2001. 3. Agravo regimental improvido. (STF - RE 514023 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO.  AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE. Julgamento:  04/12/2009. Órgão Julgador: Segunda Turma) (grifou-se)

Para arrematar:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 535. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO [...] O Ministério Público, em sede de ação civil pública, é parte legítima - legitimado extraordinário - para atuar na defesa dos interesses individuais, difusos ou coletivos em relação à infância e à adolescência [...] (STJ - Resp 1060665 / RJ. RECURSO ESPECIAL 2008/0113223-9. Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141). Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento 09/06/2009) (grifou-se)

Assim, denota-se que o Ministério Público detém legitimidade para propor esta ação.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA:

Por outro lado, inegável que o requerido possui legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda, pois a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente deve ser municipalizada, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. 
[...]
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
I - municipalização do atendimento; (Lei n. 8.069/90) (grifou-se)

Comentando o artigo asseverado, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel esclarece que:

Municipalizar o atendimento consiste em confirmar o poder de decisão – e, consequentemente, a responsabilidade – do Município e da comunidade na estruturação da política de atendimento local [...] Tendo como base a repartição das competências constitucionalmente estabelecidas, é possível, então, afirmar, genericamente, que à União cabe a coordenação global da política de atendimento e a definição das normas gerais de ação, aos Estados, a coordenação da política de maneira complementar à União e a execução de políticas que extrapolem a capacidade dos Municípios e, finalmente, aos Municípios, a coordenação da política em nível local e a execução direta de políticas e programas de atendimento em sua maioria. (Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. págs. 310/311) (grifou-se).

Sobre o tema, assim já se decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA PROTETIVA. INTERNAÇÃO DE MENOR PARA TRATAMENTO CONTRA DROGAS. PRIORIDADE. ATRIBUIÇÃO DO MUNICÍPIO. INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA MEDIDA EXCEPCIONAL [...] O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – é claro quanto à municipalização do atendimento, cumprindo à Comuna, em primeira mão, dar cumprimento a medidas de proteção aplicadas a crianças e adolescentes. (STJ - MC 6515 / RS. MEDIDA CAUTELAR 2003/0091138-3. Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105). Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento 16/09/2003) (grifou-se)

Nestes moldes, são as decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

ECA. POLÍTICA DE ATENDIMENTO. MUNICIPALIZAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE PSICÓLOGO. É de responsabilidade do Município de Roca Sales a manutenção de um profissional da área de psicologia ou psiquiatria, para propiciar o atendimento gratuito, em medida de proteção, às crianças e adolescentes inseridas no tratamento. Aplicação dos artigos 86 e 88 do ECA, art. 241 da Constituição Estadual e art. 227 da Constituição Federal. Ação civil pública julgada procedente. Sentença confirmada em reexame necessário. (Reexame Necessário Nº 70005275268, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 12/12/2002) (grifou-se)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES. CONSTRUÇÃO DE ABRIGO. POLÍTICA DE ATENDIMENTO. MUNICIPALIZAÇÃO. É de responsabilidade do Município de Bento Gonçalves a manutenção de crianças e adolescentes em abrigo específico, propiciando-lhes atendimento compatível com a medida de proteção, respeitadas as diretrizes orçamentárias. Aplicação dos arts. 86, 88 e 101, VII, do ECA; art. 241 da Constituição Estadual e art. 227 da Constituição Federal. APELAÇAO PROVIDA, POR MAIORIA. SENTENÇA REFORMADA, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70010869923, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 17/03/2005) (grifou-se)

Logo, extrai-se da Lei n. 8.069/90, bem como dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acima referidos, que compete ao Município a  coordenação e a execução de políticas de atendimento, em nível local, visando salvaguardar os direitos das crianças e adolescentes.

Desta forma, conclui-se que o Município de Palhoça possui legitimidade para figurar no polo passivo da presente Ação Civil Pública. 

IV - DOS FATOS:

Este Órgão de Execução do Ministério Público instaurou  Inquérito Civil, destinado a apurar a necessidade de estruturar o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, a fim de atender efetivamente a população infantojuvenil de Palhoça (Portaria n. 06.2013.00010468-7/001 – fls. 02/05).

Visando elucidar os fatos, expediram-se inicialmente ofícios ao Prefeito de Palhoça, ao Procurador Geral do Município, ao Secretário Municipal de Assistência Social de Palhoça e aos Coordenadores do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), requisitando-se, em síntese: a) se havia profissionais em número suficiente para atender a demanda; b) indicação de quantos profissionais deveriam ser contratados/nomeados/relocados; c) enviar a listagem completa com os nomes das crianças e adolescentes que se encontram nas filas de espera do programa para atendimento; d) se a estrutura do PAEFI é adequada para atender de modo eficaz a sua população (fls. 14/17 e fls. 27/30).

A Secretaria de Assistência Social de Palhoça, a Coordenação do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), o Vice Prefeito e o Prefeito de Palhoça encaminharam respostas às fls. 32/42, 43/49, 50/51 e 52/70, respectivamente.

Ato contínuo, foi certificado precisamente o número necessário de profissionais para compor as equipes técnicas do PAEFI (fl. 71).

Na sequência, realizou-se reunião nesta Promotoria de Justiça, oportunidade em que compareceram o Secretário de Assistência Social e Vice-Prefeito, a Diretora de Assistência Social, a Coordenação Geral do CREAS, o Coordenador do PAEFI, a Procuradora do Município de Palhoça, as representantes do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e a advogada do CREAS. 

Na ocasião, este Órgão de Execução buscou incessantemente resolver a problemática do não atendimento no PAEFI de modo coletivo, propondo ao demandado a celebração de termo de compromisso de ajustamento de condutas (fls. 87/96).

Todavia, o aludido ajuste não foi celebrado, haja vista a coordenação do PAEFI, pertencente ao Município de Palhoça, não possuir certeza acerca do número necessário de profissionais a serem contratados, bem como sobre as medidas que podem ser adotadas visando eliminar à fila de espera para atendimento, que já contém aproximadamente 270 (duzentos e setenta) crianças e adolescentes (fls. 97/98).

Acontece que essa incerteza e inexatidão vai de encontro aos direitos dos infantes e adolescentes, procrastina o eficaz e adequado atendimento a essas pessoas em desenvolvimento (frise-se que a lista referida possui crianças vítimas de abuso e exploração sexual, dentre outras odiosas formas de violência) e apenas faz exsurgir a desorganização e desestruturação municipal no tocante aos atendimentos que deveriam ser prestados em prol de crianças e adolescentes. 

Em seguida, foi anexado o Ofício n. 539/2013, oriundo do PAEFI, retificando que a Equipe de Acolhimento do CREAS possui 263 (duzentos e sessenta e três) casos aguardando atendimento, sendo que 117 (cento e dezessete) são crianças e adolescentes (fl. 149).

Portanto, os fatos evidenciam que no âmbito do Município de Palhoça existe o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), para atendimento de crianças, adolescentes e familiares em situação de vulnerabilidade, que se encontra com problemas de estrutura e de pessoal.

Sabe-se que estes infantes e adolescentes sofrem com a negligência, com a violência, com a fome, com o desemprego, com problemas de relacionamento, com a utilização de substâncias estupefacientes, com abusos sexuais, com a carência econômica e com a desorganização familiar, sendo, portanto, vítimas da omissão familiar e estatal.

É oportuno destacar que são estas crianças e adolescentes que a própria Constituição Federal denomina “sujeito de direitos”. São eles a “prioridade absoluta constitucional”, que estão sendo pela segunda vez vítimas da violência, aqui consistente na omissão do Município de Palhoça.

Desta forma, é irrefutável que os programas de atendimento necessitam ser reestruturados, a fim de promover um ambiente propício que ampare estas pessoas em desenvolvimento.

Para tanto, deverá o ente municipal contratar psicólogos, assistentes sociais, assistentes administrativos, efetuar a nomeação de pedagogos, coordenadores, assim como garantir recursos humanos e materiais para que todas as medidas necessárias para a estruturação das equipes do PAEFI atendam toda a fila de espera com qualidade, e tomar todas as medidas para que seja evitada nova fila de espera, incluindo atendimento todos os dias, em período integral, aos infantes e adolescentes.

É importante salientar que os números e deficiências aqui narradas não se tratam de invenção desta Promotoria de Justiça. Com efeito, as próprias equipes técnicas dos programas informaram acerca da precariedade dos mesmos, sobre as dificuldades que advém de tão grave omissão.

O Município de Palhoça, desta forma, tem feito apenas o mínimo no que se refere à estruturação do programa referido, não demonstrando a intenção de se comprometer de forma efetiva com o fim da atual e da futura demanda, por meio da adequação de sua política pública.

Ao não celebrar o acordo judicial proposto, o demandado não garante que atenderá a atual demanda e reconhece que não atenderá as filas de espera vindouras, descumprindo, assim, sua obrigação legal e inclusive moral de atendimento de crianças e adolescentes em situação extrema de vulnerabilidade (fls. 37/42).

É essencial se colocar que o Ministério Público procurou incessantemente o acordo extrajudicial, modificando o teor das cláusulas do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta proposto, estendendo ao máximo seus prazos, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com o intuito de sensibilizar e estimular a municipalidade acerca de sua obrigação.

Porém, o Município de Palhoça efetivamente não demonstrou interesse no comprometimento com as centenas de crianças e adolescentes que têm vivido e viverão à margem da sociedade.

Assim agindo, o requerido deixa de atender centenas de infantes e adolescentes em situação gravíssima de vulnerabilidade, que terão sequelas pelo resto de suas vidas.

Nesse viés, é notório que a população de Palhoça está aumentando e com isso as demandas sociais também se ampliam.

Por tais razões, não restam alternativas senão a de buscar a tutela jurisdicional, com o intuito de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais que amparam a criança e o adolescente, uma vez que é necessário estruturar o PAEFI de Palhoça, a fim de atender efetivamente a população infantojuvenil desta urbe e eliminar a demanda de cerca de 270 (duzentas e setenta) crianças e adolescentes, para garantir com plenitude os direitos preconizados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

E por fim é importante colocar que este Órgão de Execução, levando-se em conta os princípios da economia processual e da razoabilidade,  mudou seu posicionamento com relação ao ajuizamento de ações individuais, pois entende ser possível, em uma única demanda – esta, que ora se ajuíza – a resolução coletiva desta problemática, no sentido de que o Município de Palhoça seja compelido judicialmente a atender as centenas de crianças e adolescentes que se encontram em fila de espera para atendimento pelo PAEFI. 

V  DO DIREITO:

A Constituição da República Federativa de 1988 estabelece em seu art. 227, caput, que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifou-se)

Nessa esteira, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: 
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; 
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; 
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; 
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (grifou-se)

Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.

Acerca disso, Válter Kenji Ishida leciona:

Pode-se falar conforme acima aludido na existência da doutrina da proteção integral. Para assegurar a mesma, formularam-se princípios menoristas, destacando-se o da prioridade absoluta, e o do melhor interesse e o da municipalização [...] o princípio da prioridade absoluta possui o status constitucional, com a previsão no art. 227 da Carta Magna. A prioridade absoluta significa primazia, destaque em todas as esferas de interesse, incluindo a esfera judicial, extrajudicial ou administrativa. (Estatuto da Criança e do Adolescente. 12. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. págs. 6/7) (grifou-se)

De mais a mais, denota-se que o Brasil possui uma avançada legislação relacionada aos infantes, pois existem os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, mas que, em situações como a do vertente caso é lamentavelmente menosprezada.

E como a previsão de absoluta prioridade decorre da Constituição e da Lei Infraconstitucional, não há espaço para ponderações, devendo ser assegurado aos infantes e adolescentes todos os seus direitos elencados na legislação pátria, levando-se em consideração, ainda, a condição de pessoas em desenvolvimento.

De mais a mais, a preferência garantida às crianças e adolescentes deve refletir-se na formulação e na execução das políticas sociais públicas, evitando-se qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme prevê o art. 5º da Lei n. 8.069/90.

Sobre a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, et al, descreve que:

A discricionariedade do poder público também estará limitada na formulação e na execução das políticas sociais públicas, pois há determinação legal, em se assegurar primazia para políticas públicas destinadas direta ou indiretamente à população infanto-juvenil.
Resta claro o caráter preventivo da doutrina da proteção integral em buscar políticas públicas voltadas para a criança, para o adolescente e para a família, sem as quais o texto legal será letra morta, não alcançando efetividade social. Não adianta só resolvermos os problemas "apagando os incêndios". A prevenção através das políticas públicas é essencial para resguardo dos direitos fundamentais de crianças e jovens.  (Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. pág. 25).

Nesse diapasão, necessário se faz também mencionar as lições de Munir Cury, et al, acerca dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Não se trata, neste caso, de palavras inúteis, como às vezes se diz das solenes declarações constitucionais. As regras ali enunciadas colocam também algumas normas de caráter imediatamente preceptivo, isto é, às quais todos devem imediata obediência, pois são suficientemente precisas; mas têm importância decisiva também por seu aspecto programático, isto é, aquele que se refere às normas concretas para implementação do programa. (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. pág. 35). 

Portanto, torna-se claro, assim, o caráter preventivo da doutrina da proteção integral, a qual deve ser efetivada para salvaguardar as crianças e os adolescentes. Do contrário, o texto legal será letra morta.

Consequentemente, caso o Município não observe esses direitos fundamentais, como ocorre no presente caso, torna-se violador dos direitos preconizados tanto na Carta Maior, como no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cabe destacar que direitos fundamentais são direitos para os quais não se pode admitir desculpas, como dificuldades financeiras. Eles devem ser resguardados independente de qualquer situação.

Deste modo, é dever e obrigação do Município de Palhoça cumprir os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes palhocenses. 

E não se alegue falta de recursos financeiros, humanos ou materiais no escopo de se eximir de seu dever estabelecido, pois não cabem escusas ou justificativas para o descumprimento de direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente. Até porque investir na criança e no adolescente é investir no futuro.

Quanto a isso, já se decidiu:

[...] O artigo 227 da Constituição Federal estipula como dever do Estado, bem como da família e da sociedade, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a concretização da sua dignidade humana, mormente no tocante a colocá-los a gsalvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressãoh, para tanto promovendo programas de assistência social.
Dessa forma, é patente que o Poder Público, incluídas todas as unidades federadas, inclusive os municípios, deve garantir a observância irrestrita da Constituição, não podendo se furtar dos deveres constitucionais sob fundamentos supostamente extraídos do próprio texto e da competência constitucional do ente federado.
Com efeito, a estipulação, pelo município, de Programa de Orientação Sócio-Familiar deve garantir o efetivo acesso aos destinatários, de modo a assegurar a aplicabilidade da norma constitucional, extraindo da sua efetivação a concretização de seus efeitos jurídicos e eficácia social [...] (STF - AI 813590 / MG - MINAS GERAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento: 09/09/2013) (grifou-se).

Não se alegue também que o estabelecimento de políticas sociais derivadas de normas programáticas situa-se no âmbito do poder discricionário do administrador público, sendo vedado ao Poder Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade.

A atuação do Poder Judiciário nestes casos não interfere de modo algum na independência dos poderes, levando-se em conta a questão dos direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente.

Ademais, sabe-se que, na ocorrência de omissão por parte do Poder Público no cumprimento de norma constitucional elevada à categoria de norma fundamental, compete sim ao Poder Judiciário aplicar o direito ao caso concreto.

Diante desse contexto, não há que se falar em desrespeito à autonomia do Poder Executivo por parte do Judiciário. Comungar de tal raciocínio significa simplesmente negar a existência de uma função estatal em face da outra, o que é de todo descabido.

Muito pelo contrário, a espécie em análise não consagra qualquer tipo de desrespeito às autonomias, mas afirma a função jurisdicional em relação a função executiva mal exercida ou não exercida, o que é absolutamente corriqueiro em um Estado Democrático de Direito. 

Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

[...] CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO  CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA–PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR
INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO
JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ  175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -1220).  (STF - RE 482611 / SC - SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/03/2010) (grifou-se).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério Público detém capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos [artigo 129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que é função institucional do Poder Judiciário determinar a implantação de políticas públicas quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 367432 AgR / PR – PARANÁ.  AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. EROS GRAU. Julgamento:  20/04/2010. Órgão Julgador:  Segunda Turma) (grifou-se).

Neste diapasão, o Egrégio Tribunal de Justiça catarinense decidiu:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - CRIANÇA OU ADOLESCENTE VÍTIMA DE VIOLÊNCIA - REPRESENTAÇÃO VISANDO À INCLUSÃO DA FAMÍLIA NO PROJETO SENTINELA - NEGATIVA DO MUNICÍPIO - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE VAGA POR FALTA DE RECURSOS FINANCEIROS QUE NÃO PODE SOBREPOR-SE ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INOCORRÊNCIA - GARANTIA CONSTITUCIONAL (ARTS. 207, § 7º e 204) [...]bbb.
"Os argumentos de ordem financeira e econômicas alegadas pelo Município apelante não podem sobrepor-se às garantias constitucionais de proteção à criança e ao adolescente.
"É fundamental o direito à assistência e à proteção integral da criança e do adolescente, bem como de sua família, e por isso o Poder Público é obrigado a implementá-lo mediante políticas públicas concretas [...] (Embargos Infringentes n. 2010.032990-1, de Capital. Relator: Paulo Henrique Moritz Martins da Silva. Órgão Julgador: Grupo de Câmaras de Direito Público. Data: 06/09/2010). 

Ainda:

ADMINISTRATIVO. PROGRAMA DE APOIO, ORIENTAÇÃO E ACOMPANHAMENTO FAMILIAR. ATENDIMENTO DE MENORES E ADOLESCENTES. DIREITO CONSTITUCIONAL SOCIAL E FUNDAMENTAL. Suficientemente demonstrada a violação ao direito fundamental das crianças e adolescentes à inclusão em programas de apoio, orientação social e educacional, bem como de acompanhamento familiar, surge para o Poder Público o inafastável dever de resguardá-los, sob pena de comprometimento da ordem constitucional. (Apelação Cível n. 2009.056939-8, de Camboriú. Relator: Sônia Maria Schmitz. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 01/09/2010) (grifou-se)

E, conforme afirmado alhures, é possível deduzir do caso em tela que não deve a omissão do administrador prosperar, no tocante ao não fornecimento de atendimento no PAEFI, devendo o Município cumprir a legislação protetiva, no intuito de evitar prejuízo aos sujeitos do futuro do nosso país.

Logo, não deve a criança e o adolescente palhocense ser vítima da omissão do ente municipal, porque o nosso ordenamento e o princípio basilar da dignidade da pessoa humana refutam referida prática desprezível. 

Assim, conclui-se que caso o gestor público seja relapso e atue com descaso no que se refere aos direitos fundamentais relacionados à criança, não só permite-se, como também impõe-se a pronta atuação deste Órgão de Execução do Ministério Público, assim como do Poder Judiciário, no objetivo de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais.

VI – DA NECESSIDADE DA LIMINAR:

As necessidades pelas quais passam as crianças e adolescentes neste Município de Palhoça, que precisam de pronto atendimento pelo PAEFI, exigem o deferimento da pretensão já descrita desde o recebimento da presente inicial.

De outro modo, a postergação do problema poderia levar à inocuidade da medida, já que as crianças e adolescentes de Palhoça correm sérios riscos ao não serem adequadamente atendidos pelos programas específicos. As sequelas são inúmeras, perigosas e fatais.

Atente-se que não só a Lei n. 7.347/85, em seu artigo 12, caput, como também o artigo 213, §1º, da Lei n. 8.069/90, autorizam, mediante a relevância do fundamento da demanda e do justificado receio da ineficácia do provimento final, a concessão de liminar para conceder previamente o direito que se pretende resguardar.

Do artigo 12, caput, da Lei n. 7.347/85, tem-se que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo."

E, do artigo 213, §1º, insculpido na Lei n. 8.069/90:

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. 

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu. 

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. 

Registre-se que a verossimilhança, requisito necessário à outorga da decisão liminar, encontra respaldo fático nos próprios fundamentos acima narrados, vez que o direito pátrio impõe celeridade a toda medida que visa resguardar direitos das crianças e adolescentes.

Além disso, este Órgão Ministerial está pleiteando apenas o que o  Município tem obrigação de fornecer aplicando-se inclusive o princípio da razoabilidade, através da concessão de prazos suficientes ao cumprimento da obrigação estatal.

De mais a mais, extrai-se da documentação juntada neste Inquérito Civil que a situação irregular em que se encontra o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI deve ser reprimida de pronto, sob pena de se continuar a impingir diariamente à população de Palhoça tratamento indigno e lesivo aos interesses de crianças e adolescentes.

Os fatos probandos são notórios e de conhecimento geral. Aguardar o julgamento definitivo do mérito poderá perpetuar danos irreversíveis a quem muito já sofreu social, psicologicamente e fisicamente.

Frise-se que aproximadamente 270 (duzentas e setenta) crianças e/ou adolescentes aguardam atendimento no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, onde se encontram casos de negligência, abuso sexual, fome, desemprego, problemas de relacionamento, uso e tráfico de drogas, carência econômica, desorganização familiar. São órfãos de pai e/ou mãe, são filhos de pais separados, são vítimas de violência, enfim, são crianças e adolescentes que pedem socorro!

E caso não seja prestado atendimento logo a estes infantes e adolescentes, certamente terão personalidade e vida comprometidas, pois no momento oportuno para buscar orientação e amparo a fim de alcançar uma vida regrada, estas crianças e adolescentes estão apenas aguardando atendimento e, reiteradamente, sendo vítimas da exclusão social ou fazendo vítimas por meio da prática de atos infracionais.  

Resta assim demonstrada a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de ineficácia do provimento final, motivo pelo qual a concessão da liminar é medida que se impõe.

VII – DO "CONTEMPT OF COURT" E O BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS:

Sabe-se que o agente do Estado atua em nome do ente público e é diretamente responsável pela administração.

É sabido também que o ente estatal em si não possui vida, uma vez que é dirigido por gestores.

Assim, o Município possui comandante que assume a responsabilidade, no período do mandato, de administrar nos termos das leis e de respeitar eventual decisão judicial prolatada em desfavor do ente público. 

Todavia, não raras vezes aquele que ocupa o cargo público, mesmo conhecedor da existência de multa fixada contra o ente público para o caso de descumprimento de decisão judicial, age com irresponsável descaso frente à liminar concedida, pois sabe que os valores sairão dos cofres públicos, ou seja, recai sobre os cidadãos, já que o administrador público não se sensibiliza com o prejuízo e continua a agir ilegalmente.

A imposição de multa para pagamento ao Município é medida legal, que visa ao cumprimento da decisão. Contudo, como o valor da multa não é suportado pelo agente público, mas sim pelo ente municipal, esta circunstância tem gerado o desrespeito das decisões judiciais, além de duplo prejuízo para a população: primeiro porque o agente público não cumpre com suas obrigações; segundo porque o pagamento da multa é feito com dinheiro público.

Diante do descaso referido, o legislador pretendendo dar plena efetividade aos provimentos judiciais relativos às obrigações de fazer, fez constar no § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil que:

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

A partir daí novo entendimento doutrinário e jurisprudencial tem sido aplicado e tem permitido melhores resultados, com maior respeito às decisões proferidas.

Inúmeras decisões continuam a fixar a multa, com a diferença de que a mesma deve ser suportada pelo próprio agente público, pois é totalmente descabido ver a multa recair sobre a pessoa jurídica, quando esta depende da manifestação de vontade da pessoa física que exerce a função pública.

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de Luiz Guilherme Marioni, que assim leciona:

Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente a agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional. Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender à decisão – e não a cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público. (Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo: RT, 2004, p. 661-662).

Ademais, no dizer de Ada Pelegrini Grinover, Contempt of Court, significa:

A prática de qualquer ato que tenda a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem. (GRINOVER, Ada Pelegrini, Abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court, Marcha, pp 62/69, especialmente, p. 68, ano 2000).

Portanto, objetivando a credibilidade do Poder Judiciário, este instituto deve ser aplicado sempre que decisões judiciais forem desrespeitadas.

Acerca da aplicação da multa em desfavor do gestor o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina  assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - CENTRO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE TUBARÃO - PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES - MORA DO PODER ESTATAL CARACTERIZADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA - CUMPRIMENTO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL – DESCABIMENTO. 1 Em se tratando de violação a direitos assegurados constitucionalmente - dentre eles, o da proteção integral ao adolescente, inclusive do infrator (CF, art. 227) -, o Poder Judiciário não só pode como deve intervir e determinar a sua observância pelo Poder Executivo. 2 "A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada pelo Poder Público, com a propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de 'mínimo existencial', que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança" (AgRg-ARE n. 639337/SP, Min. Celso de Mello, j. 23.8.2011). (TJSC - Agravo de Instrumento n. 2011.006614-3, de Tubarão. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 18/01/2012) (sem grifo no original) 

E extrai-se do acórdão:

[...] entendo ser plenamente cabível a fixação de astreinte contra o agente público responsável pela tomada das providências necessárias ao cumprimento da decisão. Ora, nada impede que a autoridade pública venha posteriormente aos autos comunicar ao Juízo a existência de situação excepcional impeditiva da obediência do comando judicial, no interregno nele fixado, sem afrontar, por conseguinte, o seu direito ao contraditório e à ampla defesa [...]

No mesmo sentido, em decisão oriunda de Ação Civil Pública desta Comarca:

[...] é válido ressaltar que a aplicação de multa no caso de descumprimento da determinação judicial é cabível, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público:
[...] MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO FIXADA NA SENTENÇA - FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. As astreintes podem ser fixadas pelo juiz de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público (Fazenda Estadual), que ficará obrigada a suportá-las casos não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado (Resp. n. 201.378, Min. Fernando Gonçalves). (TJSC - AP n. 2006.000886-0, de Mafra, Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 11/09/2007). AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – FORNECIMENTO DE REMÉDIO – TUTELA ANTECIPADA – PRESENÇA DOS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS" (ART. 273 DO CPC) – DIREITO CONSTITUCIONAL SOCIAL E FUNDAMENTAL – EXEGESE DOS ARTS. 196 DA CF/88 E 153 DA CE –AUSÊNCIA DE VERBA ORÇAMENTÁRIA – IRRELEVÂNCIA – COMINAÇÃO DE MULTA AO ENTE PÚBLICO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. (TJSC - AI n. 2007.002607-4, de Itapema, Rel. Des. Rui Fortes, j. em 21/08/2007).
Com efeito, considerando a gravidade que pode gerar o descumprimento da decisão agravada, a multa fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), sendo R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada secretário é razoável. (TJSC - 2012.015293-5   Agravo de Instrumento. Órgão Julgador CÂMARA CIVIL ESPECIAL) (grifou-se).  

É essencial aqui a responsabilização pessoal do gestor, pela omissão, porque o problema relacionado à falta de atendimento no PAEFI fere direito social e fundamental.

Assim, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que ao ser cominada multa diária ao Município de Palhoça, seja a mesma cobrada pessoalmente do Prefeito Municipal de Palhoça, bem como do Secretário Municipal de Assistência Social, diretamente de suas folhas de pagamento, para o caso de descumprimento da liminar.

Desta forma, a medida postulada anteriormente (multa pessoal ao Prefeito e ao Secretário Municipal de Assistência Social) tem o condão de garantir a efetividade do provimento jurisdicional.

Por fim, cabe destacar que caso haja descumprimento do preceito judicial, eventual multa aplicada deverá ser destinada ao Fundo Municipal da Infância e Adolescência (FIA).


VIII – DOS REQUERIMENTOS:

Ante todo o exposto, este Órgão de Execução do Ministério Público requer:

1. O recebimento da inicial; 

2. A concessão de liminar inaudita altera pars consistente em ordem judicial de obrigação de fazer, ou seja, que o Município de Palhoça:

2.2 – Providencie, no prazo de 15 (quinze) dias, a contratação/nomeação/realocação de assistentes sociais, de psicólogos e de pedagogos para compor as lacunas das equipes já existentes no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos de Palhoça (PAEFI);

2.3 – Providencie, no prazo de 15 (quinze) dias, a contratação/nomeação/realocação de assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, em número suficiente para se atender efetivamente e com qualidade toda a atual fila de espera do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos de Palhoça (PAEFI);

2.4. Por meio do PAEFI, atenda a atual demanda reprimida de crianças e adolescentes (fls. 58/63), no prazo de 30 (trinta) dias;

2.5 – Providencie, quando um funcionário do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos de Palhoça (PAEFI) deixar a sua função, a contratação/nomeação/realocação de outro profissional, nos termos da lei, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a fim de que as equipes desse programa estejam sempre completas.

3. A fixação, em caso de não cumprimento da liminar, de multa diária a ser descontada diretamente das folhas de pagamento do Prefeito de Palhoça Camilo Nazareno Pagani Martins e do Secretário Municipal de Assistência Social Nilson João Espíndola, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada, revertendo as mesmas em favor do Fundo da Infância e Juventude de Palhoça, independentemente das sanções cíveis e penais correspondentes;

4. A citação do requerido para contestar a ação, na pessoa de seu representante legal; 

5. A notificação pessoal do Prefeito de Palhoça e do Secretário Municipal de Assistência Social acerca desta ação;

6. A produção de todas as provas em direito admitidas, documental, pericial e testemunhal;

7. Seja julgado procedente o pedido ao final, mantendo-se a liminar concedida. 

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

Palhoça, 08 de novembro de 2013.


AURÉLIO GIACOMELLI DA SILVA
PROMOTOR DE JUSTIÇA

2 comentários:

  1. O Ministério Público, ou órgão definido ( conselhos ) precisará (ão) "monitorar" a forma que as crianças e adolescentes serão atendidos . O perigo é que novamente um decreto municipal seja elaborado e determine o aumento de famílias atendidas por cada técnico ( hoje 35 - um absurdo, sem condição) ou outra forma de precarização do trabalho . A qualidade também deve vir junto com o atendimento ...

    ResponderExcluir
  2. O tempo stá passando e nada de estruturar as equipes e montar outras para atender a demanda reprimida. Dizem que a lei comp. 096/10 está na câmera para alterar o quadro de assistentes sociais e psicólogos. Essa lei já está a 2 meses na câmera e nunca é aprovada. A desculpa é a lei, mas ainda existe vagas suficiente para compor o antigo quadro. É falta de vontade!!!

    ResponderExcluir