Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




terça-feira, 26 de novembro de 2013

Reforma e adequação geral do Colégio Estadual Ivo Silveira - Acolhido pedido de antecipação de tutela em ação ajuizada pelo Ministério Público - Determinação ao Estado de Santa Catarina que sane todas as irregularidades apontadas pelos órgãos técnicos, sob pena de suspensão das aulas e de cominação de multa pessoal destinada ao Governador do Estado, ao Secretário Estadual de Educação e ao Secretário de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis



Autos n° 0903076-72.2013.8.24.0045 

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

1. Trato de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA em face do ESTADO DE SANTA CATARINA, na qual o autor requer que, em sede de antecipação de tutela, o réu seja compelido a  providenciar a reforma e a adequação geral do Colégio Estadual Ivo Silveira, localizado no município de Palhoça/SC.

Argumenta o autor, em síntese, que: (a) instaurou o Inquérito Civil Público n. 06.2013.0004274-0, para averiguar eventuais irregularidades no Colégio Estadual Governador Ivo Silveira; (b) solicitou vistorias do Corpo de Bombeiros Militar de Palhoça e da Vigilância Sanitária; (c) o Corpo de Bombeiros Militar apontou as irregularidades indicadas às fls. 52/53, as quais deverão ser sanadas nos prazos lá apontados; (d) o representante do Corpo de Bombeiros Militar informou que as cláusulas de n. 3,5,6,7 e 11 são graves e devem ser regularizadas no prazo de 48 horas, sob pena de suspensão das aulas, para segurança das crianças, adolescentes e funcionários (fls. 52/53); (e) a Vigilância Sanitária apontou as irregularidades elencadas às fls. 52/53; (f) acostou ao feito cópia do termo de audiência realizada em Inquérito Civil de situação irregular de outra escola estadual, em que o Estado de Santa Catarina, por meio de seus representantes legais, apresentaram questões burocráticas para não celebrar o termo de compromisso de ajustamento de conduta proposto, ou seja, não celebraram acordo extrajudicial (fls. 40-42).
Pleiteia a suspensão das aulas, caso o réu não sane as irregularidades descritas pelo Corpo de Bombeiros Militar nas cláusulas n. 3,5,6,7 e 11 das fls. 52/53, no prazo de 48(quarenta e oito) horas.  

Pugna, por fim, pela cominação de multa, destinada  ao Governador do Estado, ao Secretário de Estado da Educação e ao Secretário de Estado de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis , para caso de descumprimento dos comandos a serem emitidos por este Juízo nesta ação civil pública.

É o relatório que o volume de serviço permite e aconselha. 

Passo a decidir.

2. A petição inicial traz em seu bojo pedido de antecipação de tutela.
O instituto da antecipação de tutela tem plena aplicabilidade no âmbito da ação civil pública, em face do que estabelecem os arts. 12 e 19 da Lei 7.347/85; arts. 84, §4º e 90 da Lei 8.078/90; e art. 273 do CPC.
Para que um pedido de antecipação de tutela tenha sucesso, deve haver prova inequívoca da verossimilhança das alegações feitas na inicial. Além disso, há que se verificar a existência de receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou caracterização do abuso do direito de defesa.
Examinando os autos, vejo que as alegações feitas na inicial são verossímeis. 
A jurisprudência é firme no sentido de que o réu tem o dever constitucional de proporcionar as condições físicas básicas ao adequado funcionamento das escolas, por força do disposto nos arts. 6º;  205; 206, inciso VII, e 227 da CF CF/88; arts. 3º, 4º, 53 e 208, inciso I, do ECA; art. 3º, inciso IX, e 4º, inciso IX, da Lei n. 9.394/96.
Cito como exemplos as seguintes ementas:

"Agravo de instrumento. Ação civil pública. Constitucional e administrativo. Reforma urgente de escola ante a precariedade de suas instalações. Omissão do Poder Público manifesta. Dever do Estado. Disposições da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Direito à educação. Direito fundamental. Norma que não pode ser transformada em promessa política inconsequente, nos termos da jurisprudência do STF. Cronograma para realização da obra previsto pelo ente federativo, com prazos dilargados. Irrelevância. Urgência manifesta, ação do ente público tardia. Liminar obrigando à tomada de providências. Acerto. Violação do princípio da Separação dos Poderes. Inocorrência. Objetivos fundamentais da República em jogo. Multa estabelecida em desfavor do agente público excessiva e inadequada. Substituição por ordem de sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento. Recurso parcialmente provido.   O direito à educação significa, "em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização. A Constituição mesmo já considerou que o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito, é direito público subjetivo; equivale reconhecer que é direito plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, isto é, direito exigível judicialmente, se não for prestado espontaneamente" (José Afonso da Silva).   É possível a substituição da pena pecuniária pelo sequestro de verbas públicas, em caráter excepcional, quando a urgência respaldar a necessidade de concretização imediata de direito fundamental olvidado pelo Poder Público. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.013520-0, de Brusque, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 25-06-2013).


"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATÓRIO AJUIZADA CONTRA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA. ACESSO À EDUCAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO. INTERDIÇÃO DE ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL PELO PODER PÚBLICO ESTADUAL. CONSTATAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO À COMUNIDADE ESCOLAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA PARA IMPOR AOS DEMANDADOS O TRANSPORTE ADEQUADO DOS ALUNOS E PROFESSORES, DA ESCOLA INTERDITADA ATÉ OUTRO ESTABELECIMENTO DE ENSINO, BEM COMO PARADA ADEQUADA E MONITORES PARA OS ÔNIBUS ESCOLARES. MANUTENÇÃO. PROVIMENTOS JUDICIAIS QUE VISAM GARANTIR O DIREITO À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, OBRIGAÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 205, 206, I, DA CF E ARTIGOS 4º E 53, INCISOS I E V, DO ECA. NULIDADE DAS DECISÕES PELA AMPLIAÇÃO DO PEDIDO INICIAL APÓS A CITAÇÃO. INOCORRÊNCIA. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. SUBSTITUIÇÃO POR BLOQUEIO DE VALORES. PRELIMINAR REJEITADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO." (TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70055102446, Rel(a). Sandra Brisolara Medeiros, j. em 23/10/2013)


"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REFORMA DAS INSTALAÇÕES ELÉTRICAS DE ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA. TUTELA ANTECIPADA. REDUÇÃO DA MULTA E DILAÇÃO DO PRAZO PARA A REALIZAÇÃO DA OBRA. IMPOSSIBILIDADE. DEVER DE AGIR DO ESTADO. 1. A documentação juntada às fls. 20/39 com o recurso processado é farta, conclusiva e robusta no sentido de comprovar a total omissão do agravante e a sua despreocupação temerária com a vida, a integridade física e a segurança da pessoa humana. 2. Não há como amparar pedido de redução ou exclusão de multa cominatória por eventual descumprimento de obrigação, bem como pleito de dilação de prazo para execução de projeto de reforma de instalações elétricas que é imperativa desde o mês de março de 2012. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO." (TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70053540621, Rel. Eduardo Uhlein,  j. em 24/04/2013)

 A Constituição do Estado de Santa Catarina também traz em seu bojo essa obrigação. Seu art. 163, inciso VI, diz que: "o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de condições físicas adequadas para o funcionamento das escolas." 
Na hipótese vertente, ficou evidente que as condições básicas necessárias ao adequado funcionamento do Colégio Estadual Governador Ivo Silveira não estão presentes. As vistorias realizadas pelo Corpo de Bombeiros e pela Vigilância Sanitária comprovam a precária situação do citada colégio (confira relatórios de vistoria de fls. 33-35, 36-39, 50/51e o documento de fls. 52/53). As irregularidades apontadas colocam em risco a vida, a  saúde e a incolumidade física dos estudantes, diga-se, crianças e adolescentes, professores e funcionários de tal estabelecimento.
 A situação é muito grave. Resta clara, portanto, a omissão do Estado de Santa Catarina, a qual deve ser combatida pelo Poder Judiciário.
É da jurisprudência:


"(...) se o Estado deixar de adotar medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a insconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo poder Público (...). As situações configuradas de omissão insconstitucional  ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário  refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário" (STF, ADI 1.458 MC/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.05.1996).


"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA OBRIGAR O ESTADO A REALIZAR OBRAS EMERGENCIAIS DE REFORMA EM PRÉDIO DE ESCOLA PARA REFORÇAR A SEGURANÇA E ELIMINAR RISCOS PARA OS ALUNOS E DEMAIS USUÁRIOS A SEREM ABRIGADOS PROVISORIAMENTE EM OUTRO LOCAL 0 OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL - PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES E URGÊNCIA NA REPARAÇÃO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO - AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - MULTA EM VALOR ADEQUADO - CONSTRUÇÃO DE ÁREA COBERTA PARA EDUCAÇÃO FÍSICA - UTILIDADE NÃO EMERGENCIAL - DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO JUDICIAL NESSA PARTE - RECURSO E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDOS.   Não ofende o princípio da separação dos poderes a intervenção judicial para compelir os órgãos da administração a cumprir a obrigação constitucional e legal de realizar obras de reforma em prédio de escola estadual, em razão da precariedade das instalações, para reforçar a segurança, eliminar os riscos para alunos e demais usuários e propiciar adequado espaço físico para o desenvolvimento do ensino público de qualidade.[...]. " (TJSC, Apelação Cível n. 2013.005627-2, de Sombrio, rel. Des. Jaime Ramos, j. 23-05-2013).

Seguindo nesta linha de raciocínio, estou convicto de que o Estado de Santa Catarina deverá efetuar a reforma e a adequação geral do Colégio Estadual Governador Ivo Silveira, de forma a garantir educação de qualidade em ambiente seguro às crianças e adolescentes que lá estudam.
Caso isso não ocorra, existe o risco dos 2.000 (dois mil) estudantes, dos professores e dos demais funcionários sofrerem dano irreparável ou de difícil reparação, devido à precariedade das instalações do estabelecimento de ensino.  As irregularidades apontadas, mormente pelo Corpo de Bombeiros, evidenciam isso (vide fls. 52/53 - itens 3,5,6,7 e 11). A  não execução ou a execução tardia das obras implicará a não fruição, ou fruição extremamente deficitária do direito à educação pelas crianças e adolescentes que frequentam o Colégio Estadual Governador Ivo Silveira. 
Portanto, presentes os requisitos do art. 273 do CPC, justo que o pleito de antecipação de tutela articulado pelo Ministério Público seja acolhido. 
Com essas considerações, DEFIRO o pleito de antecipação de tutela constante na inicial, para DETERMINAR que o Estado de Santa Catarina: 
2.1. PROVIDENCIE aprovação do projeto preventivo contra incêndio e atestado de habite-se; 
2.2. INSTALE sistema de proteção contra descarga atmosférica;
2.3. INSTALE aberturas de ventilação permanente nas cozinhas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de suspensão das aulas ; 
2.4. INSTALE sistema hidráulico preventivo; 
2.5. INSTALE sistema de iluminação de emergência nos corredores e nas salas de aula, no prazo de 48(quarenta e oito) horas, sob pena de suspensão das aulas; 
2.6. INSTALE sistema preventivo de extintores, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de suspensão das aulas; 
2.7. INSTALE sistema de abandono de local (placas de saída de emergência), no prazo de 48(quarenta e oito) horas, sob pena de suspensão das aulas; 
2.8. INSTALE sistema de alarme;
2.9. INSTALE corrimão nas escadas; 
2.10. PROVIDENCIE a substituição do forro de madeira deteriorado do bloco 3; 
2.11. ELIMINE as fiações expostas, no prazo de 48(quarenta e oito) horas, sob pena de suspensão das aulas;
2.12. PROVIDENCIE a limpeza  e desinfecção do reservatório d'água, por meio de empresa especializada, com emissão do respectivo certificado; 
2.13. PROVIDENCIE a desratização e a desinsetização, através do controle de pragas e vetores urbanos, por meio de empresa especializada, emitindo-se o respectivo certificado; 
2.14. MANTENHA em perfeitas condições de funcionamento e de limpeza todos os vasos sanitários e pias dos sanitários feminino e masculino dos alunos, em cumprimento ao número mínimo necessário na relação aluno/pia e aluno/vaso; 
2.15. COLOQUE assentos nos vasos sanitários, saco coletor nas lixeiras, sabonete líquido, papel toalha individual nos sanitários masculino e feminino dos alunos; 
2.16. RETIRE e/ou substitua mesas e bancadas que apresentem ferrugem na estrutura da cozinha; 
2.17. REPARE as luminárias danificadas da cozinha; 
2.18. CONSERTE o acionamento por pedal da lixeira da cozinha; 
2.19.  INSTALE tela milimétrica fixa nas janelas e móvel tipo "vai e vem" nas portas da cozinha;  
2.20. INSTALE/substitua luminárias com dispositivo de proteção anti-queda de todo o complexo educacional;
2.21. GARANTA a acessibilidade total na escola;
2.22. PROVIDENCIE laudo de análise de água; 
2.23. PROVIDENCIE local adequado para guardar os pertences dos funcionários; 
2.24. PROVIDENCIE tampas protetoras para as tomadas;  
2.25. REATIVE o banheiro adaptado para deficientes; 
2.26. REFORME ou troque os equipamentos de práticas esportivas que apresentam ferrugem, risco de quebra e de desabamento do pátio de recreação e esportes;  
2.27. ELIMINE as infiltrações dos banheiros;   
2.28. REPARE os pisos das salas de aula e dos corredores; 
2.29. REFORME o laboratório de química e a sala de jogos; 
2.30. PROVIDENCIE a pintura do teto da biblioteca; 
2.31. PROVIDENCIE o alvará sanitário.
CASO as determinações contidas nos itens 2.3, 2.5, 2.6, 2.7 e 2.11 não sejam regularizadas e comprovadas nos autos em 48(quarenta e oito) horas, SUSPENDEREI imediatamente as aulas, com o fim de assegurar a incolumidade das crianças e dos adolescentes, dos professores e demais funcionários do Colégio Estadual Ivo Silveira.
Ressalto que o prazo de 48(quarenta e e oito) horas foi estipulado pelo Corpo de Bombeiros de Palhoça, órgão técnico competente para aferir a urgência e a necessidade da medida. Por esse motivo, não entendo prudente a dilação do prazo por este Juízo.
Para as demais obrigações, sendo menos urgentes, fica estipulado, em princípio, o prazo único de 90(noventa) dias para cumprimento.
3. Considerando que esta decisão estabelece para o réu obrigações de fazer, nada impede que seja fixada multa cominatória para coagir o Estado de Santa Catarina a cumpri-las.
 Penso ser justo que tal multa seja direcionada aos agentes públicos responsáveis pela administração estatal, pessoas munidas de poderes para fazer que o réu saia do estado de inércia que hoje se encontra.
E nem se diga aqui que faltaria fundamento legal para estipulação desta espécie de multa. O fundamento está no já mencionado art. 461, §5o, do CPC, que dispõe:

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...) 
§5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”. 

A leitura do dispositivo legal acima citado não deixa qualquer margem de dúvida ao intérprete. O que a lei deseja é que o direito postulado e reconhecido pelo julgador seja tutelado de forma efetiva, com resultado prático, sem maiores delongas. No processo civil moderno, orientado pelo direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88), o que se quer é efetividade! E para que se tenha efetividade, em caso envolvendo a Fazenda Pública, no qual se busca o cumprimento de obrigação de fazer infungível, a única medida coercitiva que tem surtido efeito é a fixação de multa pessoal, destinada às pessoas físicas dos administradores recalcitrantes. Multa endereçada ao ente estatal não resolve a situação, porque este não passa de uma ficção jurídica, despido de consciência. Não há como coagir alguém que não tem vontade real própria, que só age no mundo dos fatos quando alimentado pela vontade das pessoas físicas integrantes de seu corpo administrativo. A efetividade só aparece quando a multa é pessoal e atinge o patrimônio do gestor público, pois aí sim o efeito coercitivo atua em sua plenitude, minando o psicológico e as finanças da pessoa física investida de poderes e dotada de vontade para mover a máquina estatal. 
Seguindo nesta linha de pensamento, ao julgar caso semelhante, o Superior Tribunal de Justiça decidiu no sentido de que a multa “(...) pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades e aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais” (STJ, REsp 1111562/RN, rel. Min. Castro Meira, j. em 25.08.2009). A única exigência que se faz, para que a multa seja destinada às autoridades responsáveis pelo adimplemento da obrigação de fazer, é que as mesmas sejam notificadas, de alguma forma, para se manifestar nos autos, de maneira que possam exercer os direitos ao contraditório e à ampla defesa. 
Sei que, em decisões recentes, o STJ alterou o rumo de sua jurisprudência, adotando a chamada Teoria do Órgão, não permitindo mais o direcionamento da multa ao administrador público (STJ, AgRg no AREsp 196946/SE, rel. Min. Humberto Martins, j. em 02.05.2013). A questão, entretanto, continua polêmica e, sob minha modesta ótica, ainda não foi pacificada. A Corte Especial e as Seções do STJ ainda não se manifestaram sobre o tema. Há julgados apenas das Turmas. O STF, por sua vez, não teve oportunidade de examinar a questão, sob a ótica constitucional do princípio da prestação jurisdicional efetiva (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88). Não bastasse isso, verifico que ainda pululam decisões favoráveis à multa pessoal no âmbito das Cortes Estaduais. Cito como exemplos as seguintes ementas:

“APELAÇÃO CÍVEL EM EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO EXECUTIVA FUNDADA EM TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MUNICIPALIDADE, REPRESENTADA, NO ATO, PELO PREFEITO. OBRIGAÇÃO CONSISTENTE EM CONSTRUIR NOVO ATERRO SANITÁRIO E RECUPERAR A ÁREA DEGRADADA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO.  EXECUÇÃO DA MULTA COMINATÓRIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE. AÇÃO VOLTADA CONTRA A PESSOA FÍSICA DO EX-PREFEITO. CLÁUSULA DE RESPONSABILIDADE PESSOAL. VALIDADE. ANUÊNCIA DE TODAS AS CLÁUSULAS INSERTAS NO TAC. ALEGAÇÃO, OUTROSSIM, DE PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. NATUREZA JURÍDICA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. EXEGESE DO ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85. PRELIMINARES AFASTADAS. ALEGAÇÃO, NO MÉRITO, DE DIFICULDADES FINANCEIRAS DO MUNICÍPIO, COM INCLUSÃO DO PROJETO NA PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA DO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE, PORÉM NÃO CUMPRIDA PELA GESTÃO ULTERIOR. FATO IRRELEVANTE. CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA NA ÉPOCA DO COMPROMISSO. DESCUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DO ACORDO VERIFICADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 
Conquanto os efeitos jurídicos da obrigação assumida por representante do Poder Público são a este imputados, mostra-se imprópria a alegação de ilegitimidade de parte quando consta no termo de ajustamento de conduta cláusula de responsabilidade pessoal da pessoa natural na eventualidade de descumprimento da obrigação assumida. "A responsabilidade da multa cominatória pelo descumprimento da tutela judicial, autorizada pelo CPC (art. 461, § 2º), recai sobre a pessoa do agente público e não sobre o ente público. (TJSC: Agr.Instr. Nº 2002.021115-5, rel. Desembargador Newton Janke, Primeira Câmara de Direito Público, 13.11.2003). 
Encontra-se em plena vigência o § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/1985, de forma que o descumprimento de compromisso de ajustamento de conduta celebrado com o Ministério Público viabiliza a execução da multa nele prevista (STJ, REsp 443407/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 16/03/2006).
A alegação de dificuldades financeiras do Município para justificar o descumprimento do termo não tem o condão de afastar a executividade do título, firmado espontaneamente pelo Prefeito Municipal, que detinha competência para tal. (Apelação Cível Nº 70013257944, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 15/12/2005) (TJSC, Ap. cível 2006.003282-3, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Ricardo Roesler, j. em 12.08.2008)

-------------------------------------------------------------------------------------------------

“AÇÃO ORDINÁRIA PARA OBRIGAÇÃO DE FAZER - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. INTERESSE DE AGIR. MULTA COMINATÓRIA. 1- Os entes federativos, das três esferas governamentais, são solidariamente responsáveis pela tutela do direito à saúde, pelo que a parte pode acionar qualquer deles individualmente em Juízo. 2- A resistência oposta pelo réu no processo justifica o interesse de agir da parte autora, e o cumprimento da decisão que antecipou a tutela não esgota a pretensão de fornecimento de medicamento de uso contínuo. 3- O direito à vida e à saúde são garantias constitucionais e dever do Estado, devendo, portanto, ser assegurado o fornecimento gratuito de medicamento a quem que não tem condições financeiras para adquiri-los com recursos próprios. 3- Conforme o disposto no parágrafo único do art. 14 do CPC, a imposição da multa diária para o caso do não cumprimento de ordem judicial deve ser feita não ao ente público, mas sim ao agente público ou político ao qual incumbe cumpri-la. Ademais, o efeito pedagógico da aplicação da multa ao agente público ou político é muito maior e mais eficaz do que a imposição ao ente público” (TJMG, Ap. cível n. 1.0390.10.004829-2/001, de Machado, rel. Des. Maurício Barros, j. em 07.08.2012).

-------------------------------------------------------------------------------------------------

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA EM FACE DO MUNICÍPIO DE CLEVELÂNDIA. TUTELA INIBITÓRIA LIMINARMENTE DEFERIDA. OBRIGAÇÕES DE FAZER IMPOSTAS, SOB PENA DE MULTA COMINATÓRIA. POSSIBILIDADE DE DIRECIONAMENTO AO PRÓPRIO ADMINISTRADOR PÚBLICO ENCARREGADO DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL, DESDE QUE, PREVIAMENTE INTIMADO PARA TANTO, POSSA EM TEMPO HÁBIL INTERVIR NA RELAÇÃO PROCESSUAL E POSTULAR, QUERENDO, O QUE ENTENDER DE DIREITO. CIRCUNSTÂNCIA PRESENTE NO CASO EM EXAME. RECURSO PROVIDO. (1) A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer poderá ser direcionada ao próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional. (2) Prudente deve ser, no entanto, a conduta do magistrado porque, no mais das vezes, a pessoa física do administrador não integra a relação processual, não podendo, por isso, suportar o ônus pecuniário decorrente da multa cominatória imposta, sob pena de restarem violados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (STJ, 2.ª Turma, EDcl. no REsp. n.º 1.111.562/RN., Rel. Min. Castro Meira, j. em 01.06.2010). Em determinadas situações, no entanto, é possível contornar esse impasse porque a multa cominatória somente tem incidência após a prévia intimação pessoal daquele que está obrigado ao cumprimento da decisão judicial (STJ, 4.ª Turma, EDcl. no Ag. n.º 1.145.096/RS., Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 22.11.2010). Nessas condições, escorreita será a ordem judicial se puder o administrador público intervir na relação processual e postular, querendo, o que entender de direito, desde que, obviamente, o prazo estipulado judicialmente isso possibilite.
(TJPR, AI 662394-5, de Clevelândia, rel. Des. José Marcos de Moura, rel. designado para o acórdão Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, por maioria, j. em 16.11.2010).

Por isso, entendo correto manter o posicionamento que venho defendendo, no sentido de cabimento da multa contra o gestor público, por ser medida necessária para efetivar obrigações de fazer de responsabilidade da Fazenda Pública. 
O cabimento desta multa ganha ainda mais força quando se verifica que o direito a ser tutelado aqui é o de crianças e de adolescentes que não estão recebendo condições físicas básicas em sua escola. A eles não está sendo garantida educação de qualidade em ambiente seguro. O direito constitucional à educação desses estudantes está sendo gravemente tolhido. 
Portanto, não permitir a fixação de multa ao administrador público em casos como este é jogar no lixo um instrumento legítimo que a lei criou para dar efetividade aos princípios da proteção integral e da prioridade, consagrados no art. 227 da CF/88 e arts. 3º e 4º do ECA, mas tão frequentemente ignorados pelos nossos administradores públicos.
Isto posto, FIXO multa cominatória, a ser revertida ao FIA - Fundo da Infância e Juventude de Palhoça, no valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) para cada dia de atraso (1/3 para cada um), destinada ao Governador do Estado, Sr. Raimundo Colombo, ao Secretário Estadual de Educação, Sr. Eduardo Deschamps, e ao Secretário de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis, Sr. Clonny Capistrano, a fim de persuadi-los a tomar as providências necessárias no sentido de cumprir esta decisão.
As obrigações indicadas nos nos itens 2.3, 2.5, 2.6, 2.7 e 2.11 são mais urgentes, inclusive contendo prazo de cumprimento de 48(quarenta e oito) horas para regularização, sob pena de suspensão das aulas. Por isso, a multa pessoal aqui determinada incidirá, se a administração estadual não comprovar o cumprimento destas, no prazo de 30(trinta) dias, a contar da intimação desta decisão.
As demais obrigações previstas nesta decisão são menos urgentes, pelo que a multa pelo seu descumprimento iniciará 90(noventa) dias após a intimação desta decisão.
Saliento que, para se livrar de tal multa, as autoridades em questão deverão comprovar documentalmente o cumprimento das obrigações, nos prazos acima fixados.
4. CITE-SE e INTIME-SE o réu (via oficial da infância e juventude desta Comarca), na pessoa do Procurador Geral do Estado, para, se desejar, ofertar defesa, no prazo legal (art. 297 c/c art. 188 do CPC).
Ciente de que, se as determinações contidas nos itens 2.3, 2.5, 2.6,  2.7 e 2.11 não forem regularizadas e comprovadas nos autos em 48(quarenta e oito) horas, SUSPENDEREI as aulas, com o fim de assegurar a incolumidade das crianças e dos adolescentes, dos professores e demais funcionários do Colégio Estadual Ivo Silveira.
5. NOTIFIQUE-SE, pessoalmente (via oficial da infância e juventude desta Comarca), o Governador do Estado, Sr. Raimundo Colombo, o Secretário Estadual de Educação, Sr. Eduardo Deschamps, e o Secretário de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis, Sr. Clonny Capistrano, para, se desejarem, apresentar defesa, na condição de terceiros interessados, no mesmo prazo estabelecido no item anterior.
6. INTIME-SE o(a) Diretor(a) do Colégio Estadual Ivo Silveira acerca desta decisão.
7. INTIMEM-SE e CUMPRA-SE, com urgência.
Palhoça/SC, 25 de novembro de 2013.


André Augusto Messias Fonseca 
Juiz de Direito





Nenhum comentário:

Postar um comentário