Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Concedida antecipação de tutela em ação ajuizada pelo Ministério Público, para que o Município de Palhoça promova o atendimento de todas as 171 crianças e adolescentes atualmente integrantes da demanda reprimida do PAEFI, devendo, para tanto, incrementar o número de profissionais em atividade no referido Serviço, mediante contratação, nomeação ou realocação de assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, na quantidade que for necessária, tudo no prazo de 90 dias, sob pena de cominação de multa pessoal ao Prefeito e ao Secretário de Assistência Social



Segue o inteiro teor da decisão proferida pelo Juiz de Direito da Infância e da Juventude de Palhoça André Augusto Messias Fonseca:

Autos n° 0903069-80.2013.8.24.0045 

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA 

1. Trato de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA em face do MUNICÍPIO DE PALHOÇA, na qual o autor requer, em sede liminar, que o réu seja compelido a incrementar o número de profissionais em atividade no PAEFI, de modo que tal serviço de proteção social promova o atendimento da atual demanda reprimida de crianças e adolescentes, no prazo de 30 dias. 

2. A petição inicial traz em seu bojo pedido de antecipação de tutela. 
O instituto da antecipação de tutela tem plena aplicabilidade no âmbito da ação civil pública, em face do que estabelecem os arts. 12 e 19 da Lei 7.347/85; arts. 84, §4º e 90 da Lei 8.078/90; e art. 273 do CPC. 
Para que um pedido de antecipação de tutela tenha sucesso, deve haver prova inequívoca da verossimilhança das alegações feitas na inicial. Além disso, há que se verificar a existência de receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou caracterização do abuso do direito de defesa. 
Examinando os autos, vejo que as alegações feitas na inicial são verossímeis. O PAEFI foi criado por meio da Resolução n. 109, de 11 de novembro de 2009, do Conselho Nacional de Assistência Social, a qual aprovou a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. 
A sigla PAEFI identifica aquilo que se convencionou chamar de Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Família e Indivíduos. Trata-se de um serviço de proteção social especial, de média complexidade, integrante do Sistema Único de Assistência Social (Suas), que tem como missão proporcionar "apoio, orientação e acompanhamento a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos, articulando os serviços socioassistenciais com as diversas políticas públicas e com órgãos do sistema de garantia de direitos" (art. 24-B da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 12.435/2011). 
Dentro do Sistema Único de Assistência Social (Suas), o PAEFI desempenha papel extremamente relevante e abrangente, sobretudo na área da Infância e Juventude, visto que, dentre seus usuários, definidos na Resolução n. 109 do Conselho Nacional de Assistência Social, estão crianças e adolescentes que vivenciam violações de direitos por ocorrência de: a) violência física, psicológica e negligência; b) violência sexual: abuso e/ou exploração sexual; c) afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida socioeducativa ou medida de proteção; d) tráfico de pessoas; e) situação de rua e mendicância; f) abandono; g) vivência de trabalho infantil; h) discriminação em decorrência de orientação sexual e/ou raça/etnia; i) outras formas de violação de direitos decorrentes de discriminações/submissões e situações que provocam danos e agravos a sua condição de vida e os impedem de usufruir autonomia e bem-estar; j) descumprimento de condicionalidades do PBF e do PETI em decorrência de violação de direitos. 
Na comarca de Palhoça, o PAEFI não vem conseguindo atender de forma satisfatória seu público-alvo, incluíndo aí as crianças e adolescentes, haja vista a ausência de recursos humanos suficientes. 
O ofício de fls. 91/97, subscrito pelos Coordenadores do PAEFI, Rafael Arns Stobbe e Igor Schutz dos Santos, informa que hoje existem 171 crianças aguardando por atendimento, sendo que, somando-se esses 171 casos aos que envolvem exclusivamente adultos, a demanda reprimida totaliza 261 casos. 
O mesmo ofício revela a carência de profissionais para trabalhar no PAEFI. Apesar do quadro funcional prever a atuação de 10 equipes técnicas no âmbito deste serviço de proteção social, existem apenas 07 equipes técnicas completas e 01 incompleta em atividade, o que prejudica sobremaneira o atendimento das crianças e adolescentes com direitos violados, os quais são obrigados a aguardar por tempo indeterminado em fila de espera, fato esse que muita vezes faz agravar ainda mais o dano já experimentado pelos menores. 
Vale frisar que esta situação alarmante vivenciada no PAEFI não é algo recente. Em 2011, o Ministério Público de Santa Catarina, após identificar a deficiência do quadro funcional do PAEFI e a existência de uma demanda reprimida de 176 crianças e adolescentes, ingressou com ação civil pública, objetivando a contratação de profissionais, bem como a estruturação física do referido serviço de proteção social. Esta ação foi tombada sob o n. 045.11.004099-0. Em sede liminar, foi proferida decisão ordenando a contratação de psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, a fim de dar atendimento a toda demanda reprimida existente até então, como também evitar a formação de nova fila de espera (fls. 99/105). Sucede que essa decisão foi parcialmente reformada pelo TJSC (fls. 106/114), a qual desobrigou a municipalidade a estruturar o serviço para dar conta da demanda futura. O tempo passou, e, hoje, o que se observa é a formação de uma nova fila de espera, resultado da falta de comprometimento do réu com a estruturação de um serviço tão importante como é o PAEFI. 
Neste cenário, resta mais que clara a omissão do ente municipal, o qual se recusa a aumentar o quadro de pessoal do PAEFI, na proporção necessária para atender com qualidade as crianças e adolescentes. 
Assim como os adultos, as crianças e adolescentes são sujeitos de direito, e nessa condição são titulares de um direito constitucional fundamental que é o direito à assistência social (art. 6º e 203 da CF/88). 
Nas palavras do legislador infraconstitucional, a assistência social é "direito do cidadão e dever do Estado" (art. 1º da Lei 8.742/1993). 
No caso dos autos, o que se observa é que as crianças e adolescentes de Palhoça estão tendo esse seu direito tolhido, porque o PAEFI, um dos principais serviços de proteção social previstos em lei, sofre com a insuficiência de recursos humanos. 
A verdade é que o Município de Palhoça, com sua inércia em contratar profissionais para trabalhar no PAEFI, está anulando um direito garantido constitucionalmente às crianças e aos adolescentes, mais especificamente o direito à assistência social, o qual deve ser prestado pelo Poder Público em forma de ações concretas, com a criação de programas e serviços devidamente aparelhados, dotados de recursos materiais e humanos suficientes para prover "os mínimos sociais" aos vulneráveis (art. 1º da Lei 8.742/1993). 
O direito à assistência social está intimamente ligado ao conceito de mínimo existencial e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Quando o Município de Palhoça deixa de estruturar um serviço de proteção social como é o PAEFI, fazendo com que uma criança vítima de abuso sexual fique esperando um atendimento por tempo indeterminado numa imensa fila, ele vilipendia a dignidade desta criança, deixa de proporcionar a ela o mínimo existencial, retirando sua chance de ter uma vida com padrão qualitativo mínimo. 
Ao violar o direito fundamental à assistência social, a municipalidade também ofende o dever de proteção integral à infância e à juventude, previsto no art. 227, caput, da CF/88, deixando de atender, a tempo e modo, crianças e adolescentes vítimas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 
O Poder Judiciário não pode ficar inerte frente a este quadro, não pode aceitar passivamente a violação negativa do texto constitucional. Configurada a omissão estatal, o magistrado tem o dever de combatê-la, fazendo o Poder Executivo lembrar que a Constituição Federal de 1988 ainda existe e precisa ser respeitada. É o que ensina Américo Bedê Freire Júnior: 
"(...) em regra, o Executivo e o Legislativo devem proporcionar a efetivação da Constituição; contudo, quando tal tarefa não foi cumprida, não pode o juiz ser co-autor da omissão e relegar a Constituição a um nada jurídico. Corroborando a função subsidiária do juiz na implementação das políticas públicas, Oswaldo Palu pontifica: 'No Estado Democrático de Direito, a questão da escolha de prioridades cabe a um legislador democraticamente eleito e, em nosso sistema presidencialista, a um governo democraticamente eleito, que, como sabemos, trata-se do executivo e sua base de apoio parlamentar. E somente em casos de desvios erráticos ou de uma passividade arbitrária ante casos evidentes de situações precárias cabe uma correção, constitucionalmente fundada aos atos de governo'. Não existe discricionariedade na omissão do cumprimento da Constituição. Na verdade, trata-se de arbitrariedade que pode e precisa ser corrigida. Ademais, a Constituição prevê em seu art. 5o, XXXV, peremptoriamente que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Uma interpretação adequada do dispositivo leva à conclusão de que não somente a lei, mas também atos, inclusive omissivos, do Poder Legislativo e Executivo não podem ficar sem controle" (FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. 1a ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2005. Págs. 70/71).
Sobre o tema do controle judicial das omissões do Poder Público, cito o seguinte julgado do STF: 
"(...) se o Estado deixar de adotar medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a insconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo poder Público (...). As situações configuradas de omissão insconstitucional ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário" (STF, ADI 1.458 MC/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.05.1996).
E nem se diga que a omissão do Município de Palhoça seria justificável pela falta de recursos financeiros. 
Segundo reportagem publicada na Revista Veja, edição n. 2.180, Palhoça está incluída no seleto grupo de 106 cidades médias que mantiveram uma taxa de crescimento econômico igual ou superior à média nacional, que é de 4% ao ano, entre os anos de 2002 e 2007. Nessa mesma reportagem, Palhoça aparece na sexta colocação no cenário das cidades médias brasileiras com mais vocação para o comércio. 
Tratando do potencial econômico de Palhoça, o jornal Diário Catarinense publicou matéria, em 03/08/2010, com a seguinte chamada: "Palhoça triplica PIB e entra na rota dos investimentos em Santa Catarina. Município deve estar em 2012 entre as 10 cidades com maior arrecadação no Estado". Município com tamanha força econômica, que vem investindo nas mais diversas áreas, não pode alegar falta de fôlego financeiro para justificar o descumprimento de encargos constitucionais relacionados à infância e juventude. 
Nunca é demais lembrar que estamos tratando de direitos de crianças e adolescentes, os quais gozam de proteção integral e devem ser garantidos com absoluta prioridade (art. 227 da CF/88 e arts. 3o e 4o do ECA), inclusive gozando de preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas, com destinação privilegiada de recursos (art. 4º, parágrafo único, letras "c" e "d", do ECA). 
Vale acrescentar que, em se tratando de implementação de políticas públicas, derecionadas a garantir o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial, não se tem admitido a desculpa de escassez orçamentária, tão frequentemente utilizada pelo Poder Público para se ver livre do cumprimento de seus deveres constitucionais relacionados com a Ordem Social. 
Ao analisar caso semelhante, assim decidiu o STF: 
"CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELAPROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 RTJ 175/1212-1213 RTJ 199/1219- -1220). RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO" (STF, RE 482.611/SC, Decisão Monocrática, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.03.2010). 
No mesmo sentido, confira-se os seguintes julgados do STF: RE 488.208/SC, rel. Min. Celso de Mello, j. em 01.07.2013; RE 513.465/SC, rel. Min. Ellen Gracie, j. em 23.06.2010; e AI 583.136/SC, rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 11.11.2008. 
Justo, pois, que o pleito de antecipação de tutela articulado pelo Ministério Público seja acolhido. As alegações feitas na inicial são verossímeis. De outro lado, há risco de dano irreparável. Caso o PAEFI não tenha seu quadro de pessoal reforçado, as crianças e adolescentes que fazem parte da atual demanda reprimida terão sua situação ainda mais agravada, com a espera em fila de atendimento por tempo indeterminado, deixando de receber, a tempo e modo, os apoios social e psicológico que necessitam. 
Estou deferindo o pedido de antecipação de tutela, sem a prévia oitiva do Município de Palhoça, porque entendo que o caso sob exame é excepcional. A omissão de que trato aqui é gravíssima, pois vem acarretando a violação de direitos fundamentais de crianças e adolescentes em situação vulnerável, vítimas dos mais diversos tipos de abuso e negligência. Portanto, não há tempo a perder. 
Sobre a possibilidade de deferimento de liminar em ação civil pública, sem prévia oitiva do Estado, vale conferir o seguinte precedente: "ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE LIMINAR SEM OITIVA DO PODER PÚBLICO. ART. 2° DA LEI 8.437/1992. AUSÊNCIA DE NULIDADE. 1. O STJ, em casos excepcionais, tem mitigado a regra esboçada no art. 2º da Lei 8437/1992, aceitando a concessão da Antecipação de Tutela sem a oitiva do poder público quando presentes os requisitos legais para conceder medida liminar em Ação Civil Pública. 2. No caso dos autos, não ficou comprovado qualquer prejuízo ao agravante advindo do fato de não ter sido ouvido previamente quando da concessão da medida liminar . 3. Agravo Regimental não provido". (STJ, AgRg no AI 1.314.453/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 21.09.2010). 
O argumento da irreversibilidade também não pode obstar o deferimento da antecipação de tutela buscada pelo Ministério Público. Como bem destacou o Desembargador Jaime Ramos, membro do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 2011.039816-7, "a legislação que rege a matéria deve ser interpretada sob a ótica da proporcionalidade no sentido da possibilidade da concessão da tutela antecipada, ainda que irreversível a medida, quando for absolutamente necessário obrigar o Poder Público a satisfazer, de modo excepcional, obrigação de proporcionar à população os direitos básicos assegurados na Carta Magna". 
Com essas considerações, DEFIRO o pleito de antecipação de tutela constante na inicial, para DETERMINAR que o réu promova o atendimento de todas as 171 crianças e adolescentes listadas no documento de fls. 124/129, atualmente integrantes da demanda reprimida, devendo, para tanto, incrementar o número de profissionais em atividade no PAEFI, mediante contratação, nomeação ou realocação de assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, na quantidade que for necessária, tudo no prazo de 90 dias, a contar da intimação desta decisão. 

3. Considerando que está sendo estabelecida aqui uma obrigação de fazer, nada impede que seja fixada uma multa cominatória, direcionada aos agentes públicos responsáveis pela administração municipal, pessoas munidas de poderes para fazer o Município de Palhoça sair do estado de inércia que hoje se encontra. 
E nem se diga aqui que faltaria fundamento legal para estipulação desta espécie de multa. O fundamento está no art. 461, §5o, do CPC, que dispõe: "Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (...) §5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial". 
A leitura do dispositivo legal acima citado não deixa qualquer margem de dúvida ao intérprete. O que a lei deseja é que o direito postulado e reconhecido pelo julgador seja tutelado de forma efetiva, com resultado prático, sem maiores delongas. No processo civil moderno, orientado pelo direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88), o que se quer é efetividade! E para que se tenha efetividade, em caso envolvendo a Fazenda Pública, no qual se busca o cumprimento de obrigação de fazer infungível, a única medida coercitiva que tem surtido efeito é a fixação de multa pessoal, destinada às pessoas físicas dos administradores recalcitrantes. Multa endereçada ao ente estatal não resolve a situação, porque este não passa de uma ficção jurídica, despido de consciência. Não há como coagir alguém que não tem vontade real própria, que só age no mundo dos fatos quando alimentado pela vontade das pessoas físicas integrantes de seu corpo administrativo. A efetividade só aparece quando a multa é pessoal e atinge o patrimônio do gestor público, pois aí sim o efeito coercitivo atua em sua plenitude, minando o psicológico e as finanças da pessoa física investida de poderes e dotada de vontade para mover a máquina estatal.
 Seguindo nesta linha de pensamento, ao julgar caso semelhante, o Superior Tribunal de Justiça decidiu no sentido de que a multa "(...) pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades e aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais" (STJ, REsp 1111562/RN, rel. Min. Castro Meira, j. em 25.08.2009). A única exigência que se faz, para que a multa seja destinada às autoridades responsáveis pelo adimplemento da obrigação de fazer, é que as mesmas sejam notificadas, de alguma forma, para se manifestar nos autos, de maneira que possam exercer os direitos ao contraditório e à ampla defesa. Sei que, em decisões recentes, o STJ alterou o rumo de sua jurisprudência, adotando a chamada Teoria do Órgão, não permitindo mais o direcionamento da multa ao administrador público(STJ, AgRg no AREsp 196946/SE, rel. Min. Humberto Martins, j. em 02.05.2013). A questão, entretanto, continua polêmica e, sob minha modesta ótica, não foi pacificada. A Corte Especial e as Seções do STJ ainda não se manifestaram sobre o tema. Há julgados apenas das Turmas. O STF, por sua vez, não teve oportunidade de examinar a questão, sob a ótica constitucional do princípio da prestação jurisdicional efetiva (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88). Não bastasse isso, verifico que ainda pululam decisões favoráveis à multa pessoal no âmbito das Cortes Estaduais. Cito como exemplos as seguintes ementas: 
"APELAÇÃO CÍVEL EM EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO EXECUTIVA FUNDADA EM TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MUNICIPALIDADE, REPRESENTADA, NO ATO, PELO PREFEITO. OBRIGAÇÃO CONSISTENTE EM CONSTRUIR NOVO ATERRO SANITÁRIO E RECUPERAR A ÁREA DEGRADADA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO. EXECUÇÃO DA MULTA COMINATÓRIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE. AÇÃO VOLTADA CONTRA A PESSOA FÍSICA DO EX-PREFEITO. CLÁUSULA DE RESPONSABILIDADE PESSOAL. VALIDADE. ANUÊNCIA DE TODAS AS CLÁUSULAS INSERTAS NO TAC. ALEGAÇÃO, OUTROSSIM, DE PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. NATUREZA JURÍDICA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. EXEGESE DO ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85. PRELIMINARES AFASTADAS. ALEGAÇÃO, NO MÉRITO, DE DIFICULDADES FINANCEIRAS DO MUNICÍPIO, COM INCLUSÃO DO PROJETO NA PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA DO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE, PORÉM NÃO CUMPRIDA PELA GESTÃO ULTERIOR. FATO IRRELEVANTE. CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA NA ÉPOCA DO COMPROMISSO. DESCUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DO ACORDO VERIFICADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Conquanto os efeitos jurídicos da obrigação assumida por representante do Poder Público são a este imputados, mostra-se imprópria a alegação de ilegitimidade de parte quando consta no termo de ajustamento de conduta cláusula de responsabilidade pessoal da pessoa natural na eventualidade de descumprimento da obrigação assumida. "A responsabilidade da multa cominatória pelo descumprimento da tutela judicial, autorizada pelo CPC (art. 461, § 2º), recai sobre a pessoa do agente público e não sobre o ente público. (TJSC: Agr.Instr. Nº 2002.021115-5, rel. Desembargador Newton Janke, Primeira Câmara de Direito Público, 13.11.2003). Encontra-se em plena vigência o § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/1985, de forma que o descumprimento de compromisso de ajustamento de conduta celebrado com o Ministério Público viabiliza a execução da multa nele prevista (STJ, REsp 443407/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 16/03/2006). A alegação de dificuldades financeiras do Município para justificar o descumprimento do termo não tem o condão de afastar a executividade do título, firmado espontaneamente pelo Prefeito Municipal, que detinha competência para tal. (Apelação Cível Nº 70013257944, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 15/12/2005) (TJSC, Ap. cível 2006.003282-3, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Ricardo Roesler, j. em 12.08.2008) 
"AÇÃO ORDINÁRIA PARA OBRIGAÇÃO DE FAZER - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. INTERESSE DE AGIR. MULTA COMINATÓRIA. 1- Os entes federativos, das três esferas governamentais, são solidariamente responsáveis pela tutela do direito à saúde, pelo que a parte pode acionar qualquer deles individualmente em Juízo. 2- A resistência oposta pelo réu no processo justifica o interesse de agir da parte autora, e o cumprimento da decisão que antecipou a tutela não esgota a pretensão de fornecimento de medicamento de uso contínuo. 3- O direito à vida e à saúde são garantias constitucionais e dever do Estado, devendo, portanto, ser assegurado o fornecimento gratuito de medicamento a quem que não tem condições financeiras para adquiri-los com recursos próprios. 3- Conforme o disposto no parágrafo único do art. 14 do CPC, a imposição da multa diária para o caso do não cumprimento de ordem judicial deve ser feita não ao ente público, mas sim ao agente público ou político ao qual incumbe cumpri-la. Ademais, o efeito pedagógico da aplicação da multa ao agente público ou político é muito maior e mais eficaz do que a imposição ao ente público" (TJMG, Ap. cível n. 1.0390.10.004829-2/001, de Machado, rel. Des. Maurício Barros, j. em 07.08.2012). 
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA EM FACE DO MUNICÍPIO DE CLEVELÂNDIA. TUTELA INIBITÓRIA LIMINARMENTE DEFERIDA. OBRIGAÇÕES DE FAZER IMPOSTAS, SOB PENA DE MULTA COMINATÓRIA. POSSIBILIDADE DE DIRECIONAMENTO AO PRÓPRIO ADMINISTRADOR PÚBLICO ENCARREGADO DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL, DESDE QUE, PREVIAMENTE INTIMADO PARA TANTO, POSSA EM TEMPO HÁBIL INTERVIR NA RELAÇÃO PROCESSUAL E POSTULAR, QUERENDO, O QUE ENTENDER DE DIREITO. CIRCUNSTÂNCIA PRESENTE NO CASO EM EXAME. RECURSO PROVIDO. (1) A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer poderá ser direcionada ao próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional. (2) Prudente deve ser, no entanto, a conduta do magistrado porque, no mais das vezes, a pessoa física do administrador não integra a relação processual, não podendo, por isso, suportar o ônus pecuniário decorrente da multa cominatória imposta, sob pena de restarem violados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (STJ, 2.ª Turma, EDcl. no REsp. n.º 1.111.562/RN., Rel. Min. Castro Meira, j. em 01.06.2010). Em determinadas situações, no entanto, é possível contornar esse impasse porque a multa cominatória somente tem incidência após a prévia intimação pessoal daquele que está obrigado ao cumprimento da decisão judicial (STJ, 4.ª Turma, EDcl. no Ag. n.º 1.145.096/RS., Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 22.11.2010). Nessas condições, escorreita será a ordem judicial se puder o administrador público intervir na relação processual e postular, querendo, o que entender de direito, desde que, obviamente, o prazo estipulado judicialmente isso possibilite. (TJPR, AI 662394-5, de Clevelândia, rel. Des. José Marcos de Moura, rel. designado para o acórdão Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, por maioria, j. em 16.11.2010). 
Por isso, entendo correto manter o posicionamento que venho defendendo, no sentido de cabimento da multa contra o gestor público, por ser medida necessária para efetivar obrigações de fazer de responsabilidade da Fazenda Pública. 
O cabimento desta multa ganha ainda mais força quando se verifica que o direito a ser tutelado aqui é o de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. 
Não permitir a fixação de multa ao administrador público em casos como este, é jogar no lixo um instrumento legítimo que a lei criou para dar efetividade aos princípios da proteção integral e da prioridade, consagrados no art. 227 da CF/88 e arts. 3o e 4o do ECA, mas tão frequentemente ignorados pelos nossos administradores públicos. 
Isto posto, FIXO multa cominatória pessoal endereçada ao Prefeito Municipal de Palhoça, Sr. Camilo Nazareno Pagani Martins, e ao Secretário Municipal de Assistência Social, Sr. Nílson João Espíndola, no valor de R$ 1.000,00 para cada dia de atraso no cumprimento da obrigação estabelecida nesta decisão (R$ 500,00 para cada autoridade citada). 
Tal multa será revertida em favor do FIA Fundo da Infância e Juventude de Palhoça. 
4. CITE-SE o réu, via oficial da infância e juventude, na pessoa do Procurador Geral do Município, para, se desejar, ofertar defesa, no prazo legal (art. 297 c/c art. 188 do CPC). 
5. NOTIFIQUEM-SE, pessoalmente (via oficial da infância e juventude), o Prefeito Municipal de Palhoça, Sr. Camilo Nazareno Pagani Martins, e o Secretário Municipal de Assistência Social, Sr. Nílson João Espíndola, para, se desejarem, apresentar defesa em nome próprio, na condição de terceiros interessados, no mesmo prazo estabelecido no item "4" acima. 
6. NOTIFIQUEM-SE os Coordenadores do PAEFI, Srs. Rafael Arns Stobbe e Igor Schutz dos Santos, para tomar conhecimento desta decisão. 
7. INTIMEM-SE e CUMPRA-SE, com urgência.
Palhoça, 10 de janeiro de 2014

André Augusto Messias Fonseca
Juiz de Direito 


4 comentários:

  1. Isso é uma novela. Concurso em aberto, é só chamar os técnicos e acabar com todo esse problema que cada vez se tornará maior para as crianças e os adolescentes que se encontram na demanda reprimida. O que estão esperando??

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  2. Vão esperar mais o que acontecer com essas crianças, é dever de todos protege-las, o resultado dessa história esta nas mãos de quem não esta querendo investir em garantia de direitos, seria só chamar os técnicos do concurso e trabalhar!!

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  3. Estamos sempre ouvindo falar na prioridade no atendimento das nossas crianças e adolescentes, mas infelizmente na prática é bem diferente, ao menos é assim que tem acontecido na Prefeitura da Palhoça. O número de profissionais é insuficiente em todos os programas, mas isso se agrava quando o assunto é o PAEFI, Alguém precisa fazer alguma coisa para ontem, não podemos deixar nossas crianças e adolescentes desamparados dessa forma. Gostaria de saber porque os últimos profissionais convocados não integraram/reforçaram o quadro de vagas do PAEFI. Talvez para não arcar com os valores da gratificação que o setor disponibiliza. Agora estão fazendo economia nas costas na população Prefeitura de Palhoça?

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  4. Foram convocados seis profissionais e as vagas serão para os Caps. Onde fica a prioridade no atendimento a essas crianças?

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