Autos n° 045.11.004099-0
Ação: Outros/Infância e Juventude
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: Município de Palhoça
Vistos, etc.
Trata-se de Ação Civil Pública com Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Liminar ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra o Município de Palhoça.
Aduz o curador da infância, em síntese, que há filas de espera nos programas de atendimento a criança e adolescente, especificamente no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) e no Serviço de Proteção Social aos Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade.
Foi instaurado Inquérito Civil Público (nº 06.2010.006016-6) para a apuração dos fatos e deu-se início à elaboração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a parte ré, não tendo havido aceitação por parte desta, porém, quanto aos prazos para cumprimento das cláusulas.
Diante da expressiva demanda reprimida, requereu o Parquet uma série de providências, inclusive liminarmente, para nomeação de profissionais e estruturação dos serviços.
É o breve relatório. Decido.
Em relação à competência desde Juízo, resta evidenciada nos arts. 148, V, e 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Já decidiu o E. Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
"[...] INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – AFASTAMENTO – PREVALÊNCIA DO ART. 148, INCISO V, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Por ser a norma do aludido Diploma específica, ao contrário do Código de Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, aplica-se seu art. 148, inciso V, à demanda em exame." (Agravo de instrumento n. 04.037573-4, de Blumenau, Relator: Des. Volnei Carlin.)
A legitimidade passiva, por sua vez, está amparada no artigo 86, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
"A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios".
Em análise ao mérito do pedido formulado na inicial, há que se salientar, inicialmente, que os fatos aduzidos são de conhecimento desta magistrada, que há muito tomou conhecimento em razão de inúmeros ofícios encaminhados a este Juízo por parte dos Programas Municipais de atendimento, narrando a impossibilidade ou dificuldade de atendimento das requisições judiciais em decorrência da demanda reprimida. Em várias oportunidades foi tentado solução conciliatória, mediante reuniões com as Coordenações dos Programas e com a Secretaria de Assistência Social.
Entretanto, embora tivesse havido algum esforço, a demanda reprimida vem crescendo mês a mês e as dificuldades até hoje não foram minimamente sanadas.
A última tentativa de solução da questão sem a propositura de ação acabou sendo sepultada no momento em que o município deixou de compor Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, diante da alegação da impossibilidade de cumprimento dos prazos constantes nas cláusulas, mesmo tendo havido esforço do Representante Ministerial em propor novos prazos.
A realidade atual está devidamente retratada pelos números apresentados na exordial e corroborados pelos documentos juntados:
- Em 10/02/2011, 61 adolescentes aguardavam para acompanhamento no Serviço de Proteção aos Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade, relativos a 91 processos judiciais em tramitação;
- Em 29/03/2011, aguardavam atendimento do PAEFI, 176 crianças e adolescentes, chamando a atenção o aumento considerável num curto espaço de pouco mais de um mês, já que em 04/02/2011 a demanda reprimida era de 154 atendimentos.
- Remanesce fila de espera crianças e adolescentes aguardando desde o mês de setembro de 2009 para receber o atendimento.
Injustificável, pois, a inércia do poder público diante da situação evidenciada. Ainda que considerada a rigidez do orçamento municipal e do engessamento decorrente da Lei de Responsabilidade Fiscal, não há qualquer razoabilidade em negligenciar o atendimento de famílias e, especialmente, de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, de modo a não efetuar ajustes incisivos na administração pública, sob o argumento de ser inviável a interferência do Judiciário naquela esfera.
O Poder Judiciário pode e deve interferir em tarefa típica do Poder Executivo como no caso dos autos, especialmente quando age no uso de suas prerrogativas constitucionais e legais de aplicar a lei a um caso concreto.
Efetivamente o Estado com um todo e o Município de forma solidária têm o dever de estruturar adequadamente a política de atendimento à população, segundo o disposto no ECA e na própria Constituição Federal.
Não havendo o devido cumprimento, cabe ao interessado, titular do direito de ação também constitucionalmente resguardado (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88) pleitear em Juízo que se obriguem os entes públicos a cumprir sua obrigação, cabendo ao Poder Judiciário determinar a atuação do Direito no caso concreto.
O dispositivo legal a ser defendido vem claramente exposto no art. 87, do ECA:
"São linhas da política de atendimento:
I – políticas sociais básicas;
II- políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem;
III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; (grifei)
IV- serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;
V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente;
Quanto ao dispositivo legal, cita a doutrina:
"A ação política mencionada no artigo em tela baseia-se precipuamente em políticas sociais. Inclui contratação de assistentes sociais, psicólogos, médicos, de identificação e de assistência judiciária.
"A omissão das autoridades públicas implica em responsabilidade e a obrigação de fazer pode ser concretizada por meio de ação civil pública ou popular" (in Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência – 10ª edição, Ed. Atlas/SA, 2009, p. 135).
Assim, diante do panorama de deficiência extrema a que chegaram os programas assistenciais em tela, o fato do Município de Palhoça estar ciente de suas vicissitudes há longa e não ter logrado êxito em sanar razoavelmente as mazelas existentes, sendo a tônica na atuação dos programas a existência de longa fila de espera para atendimento, sem perspectiva de melhora, já que mesmo após realização de concurso público no último ano não houve contratação de profissionais suficientes, os danos decorrentes da demanda reprimida, especialmente por violar os direitos fundamentais das crianças e adolescentes envolvidos, é que entendo demonstrado o periculum in mora alegado na inicial para sustentar o pedido de liminar.
O fumus bonis iuris está fartamente demonstrado em todas as provas juntadas, especialmente o Inquérito Civil Público nº 06.2010.006016-6 juntado à inicial, conferindo assim a verossimilhança necessária às alegações formuladas.
Ante o exposto, DEFIRO integralmente o pedido liminar formulado e, consequentemente, determino:
1. Em relação ao Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - PAEFI
A) Efetuar a nomeação, no prazo de 30 (trinta) dias, de 05 (cinco) psicólogos, 04 (quatro) assistentes sociais, 1 (um) telefonista e 1 (um) assistente administrativo do concurso público já realizado;
B) Garantir em 30 (trinta) dias o funcionamento do programa em período integral (matutino e vespertino), nos dias úteis;
C) Providenciar a nomeação de pedagogos do concurso público em andamento, em quantidade suficiente, no prazo de 90 (noventa) dias;
D) Efetuar melhorias na estrutura da sede do PAEFI, a serem indicadas por seus técnicos, garantindo os recursos humanos e materiais necessários para os trabalhos técnicos e criando um ambiente mínimo de acolhimento adequado para as crianças e adolescentes, em 120 (cento e vinte) dias;
E) Tomar as medidas necessárias para estruturação das equipes a fim de dar atendimento a toda a demanda reprimida ou fila de espera com qualidade e tomar todas as medidas necessárias para que seja evitada nova fila de espera, no prazo de 12 (doze) meses.
2. Quanto ao Serviço de Proteção Social aos Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade:
a) Nomear um Coordenador para o programa, no prazo de 10 (dez) dias;
b) Disponibilizar veículo aos profissionais do Programa em todos os dias da semana, no prazo de 30 (trinta) dias;
c) Garantir o funcionamento do programa em período integral (matutino e vespertino), nos dias úteis, no prazo de 30 (trinta) dias;
d) Proporcionar estrutura física adequada e recursos materiais para que o programa efetivamente cumpra a sua finalidade, efetivando as melhorias solicitadas pela equipe, em de 60 (sessenta) dias;
e) Atender a toda a demanda reprimida ou fila de espera, no prazo de 90 (noventa) dias, e tomar todas as medidas necessárias para que haja novo acúmulo de trabalho.
3. Cite-se a parte requerida, na pessoa do seu representante legal, para contestar a ação, no prazo de 10 (dez) dias.
Fixo desde já, em caso de descumprimento, a multa diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Cumpra-se, com urgência. Intimem-se.
Palhoça (SC), 29 de abril de 2011.
Simone Boing Guimarães Zabot
Juíza de Direito
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