Conforme noticiado anteriormente no blog (confira aqui e aqui), a 1ª Promotoria de Justiça de Palhoça ajuizou Ação Civil Pública (n. 045.11.007788-6), em razão do descaso do Município de Palhoça com relação às casas lares, onde se encontram acolhidas institucionalmente crianças e adolescentes vítimas de abandono, negligência e maus tratos de suas respectivas famílias. Em apuração prévia, foram constatadas gravíssimas irregularidades no Programa Abrigo.
Na data de ontem, em uma belíssima decisão, a Juíza de Direito da Infância e Juventude de Palhoça, Dra. Simone Boing Guimarães Zabot, concedeu a liminar requerida pelo Ministério Público e determinou que o Município de Palhoça tome uma série de medidas para melhoria da gravíssima situação encontrada.
Seguem aqui os trechos principais desta histórica e emblemática decisão.
Vale a pena a leitura!
Trata-se de Ação Civil Pública com Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Liminar ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra o Município de Palhoça.
(...)
Em análise ao mérito do pedido formulado na inicial, há que se salientar, inicialmente, que os fatos aduzidos são de conhecimento desta magistrada, que há longa data é titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca e vem vivenciando a problemática envolvendo as Casas Lares do Município. Em várias oportunidades constatou-se a dificuldade de atendimento com qualidade nas determinações judiciais em decorrência da falta de estrutura humana, diante do parco número de funcionários destinados ao atendimento da demanda crescente de menores acolhidos institucionalmente.
Já houve problema recente da falta de profissional psicólogo nas Casas, em decorrência do afastamento da profissional anterior em razão de licença maternidade. A vacância no preenchimento do cargo rendeu aos feitos da infância e juventude envolvendo menores acolhidos um atraso considerável e um prejuízo irremediável, levando em conta que há necessidade diária de acompanhamento do citado profissional no cotidiano dos infantes acolhidos até para que soluções mais imediatas sejam relatadas ao Juízo.
Os problemas referentes ao número reduzido de monitores, veio ao conhecimento da Justiça da Infância antes mesmo da propositura da ação através de ofícios encaminhados pela própria gerência do programa.
Situações gravíssimas já haviam sido narradas a este Juízo e foram também reprisadas ao Representante do Ministério Público, mencionando a tentativa de invasão por um estranho em uma das casas lares, sem que os funcionários percebessem, tendo a própria equipe do programa demonstrado a preocupação com a segurança do local e com o número pequeno de monitores para o atendimento de todos os menores acolhidos (ofício de fls. 81).
Em outra ocasião foi narrado através de novo ofício que um dos monitores da casa lar masculina ficou sozinho com todos menores durante o plantão noturno, já que a segunda monitora foi obrigada a deslocar-se para a casa lar feminina, eis que no local havia somente uma monitora para o atendimento de um maior número de meninas acolhidas.
No relatório encaminhado pela Gerente do Programa houve menção que para o atendimento dos plantões nas casas lares, que compreende inclusive o final de semana, há apenas dois monitores e que "apenas quando existe algum funcionário de férias, licença ou atestado de saúde é que um dos plantões fica com apenas um funcionário" (fls. 72).
Bom salientar que em algumas ocasiões a casa lar feminina esteve com mais de um bebê acolhido institucionalmente, fato que aliás, vem acontecendo cada vez com mais frequencia em decorrência especialmente das entregas espontâneas dos infantes em Juízo pelas genitores. Essa circunstância, por si só, implica em um trabalho extraordinário da equipe técnica, diante da necessidade de uma atenção redobrada de um monitor para o atendimento dessas crianças, fato constado pessoalmente nas visitas realizadas no local.
Portanto, é claro e evidente, o número reduzido de monitores que atendem o local, fato que com o tempo foi se agravando em função do aumento do número de crianças acolhidas. Há atualmente nas duas casas lares o total de 32 crianças, número bastante diferente da realidade de anos anteriores (conforme documento de fls. 32 há seis anos o número era infinitamente inferior), sem que houvesse por parte da municipalidade qualquer iniciativa de contratação de mais monitores.
Pelos mesmos motivos também é imprescindível a contratação de mais um psicólogo e mais um assistente social, fato que se comprova ao se observar a legislação que rege à Assistência Social, que dispõe como recomendação que haja um assistente social e um psicólogo para atendimento de até 20 (vinte crianças). A própria Secretaria de Assistência Social reconheceu essa necessidade ao encaminhar os documentos encaminhados às fls. 120/123.
Houve também o reconhecimento pela própria equipe técnica do Programa abrigo da necessidade de contratação de outros profissionais, sejam monitores, seja psicólogo e assistente social, conforme resposta ao ofício/requisição do Ministério Público no Inquérito Civil (71/74).
Por fim, quanto a esta questão, também este Juízo constatou no andamento dos feitos, que é clara a dificuldade da atual equipe técnica, com uma única assistente social e uma psicóloga, no atendimento célere nos casos envolvendo todas as crianças acolhidas. Há exigências legais atuais de acompanhamento contínuo desses profissionais, não só para a orientação dos menores acolhidos e de seus familiares, mas também para a confecção de Plano individual de Atendimento - PIA – de cada um e seu efetivo atendimento na forma estabelecida.
Nesse sentido, completamente justificados os requerimento da inicial quanto a contratação de novos funcionários.
Não fosse a gravidade da falta de recursos humanos acima salientada, com a instauração do inquérito civil houve também constatação concreta na necessidade de melhorias urgentes na estrutura física das duas casas lares, diante da exposição das crianças e adolescentes acolhidos a inúmeros riscos de saúde e de integridade física.
Foram juntados aos autos laudos da Vigilância Sanitária, acompanhadas de fotografias (fls. 91/104) e do Corpo de Bombeiros (104/109) que evidenciaram toda a gama de irregularidades já apontadas na inicial, valendo serem destacadas diante de sua gravidade.
(...)
Diante de todo o quadro apontado, razão assiste do Dr. Promotor quando mencionou restar comprovado o descaso da Administração Pública Municipal no trato com as questões atinentes às crianças e adolescentes do Município, especialmente aquelas que dependem da Política de Atendimento Social.
Por certo que com um razoável esforço haveria a possibilidade de indicação de representantes para comparecimento da audiência para discussão sobre o Termo de Ajustamento de Conduta sugerido pelo Ministério Público, como bem salientou em sua peça inicial, já que havia justificativa para a ausência do Sr. Prefeito Municipal e da Sra. Secretária.
Entretanto, preferiu o Executivo simplesmente comunicar a impossibilidade de comparecimento, sugerir que a celebração do Termo de Ajuste de conduta teria "perdido o objeto", em razão de alegada tomada de medidas para o atendimento das necessidades demonstradas, culminando por mencionar no ofício que não havia "mais razão para celebrar o termo".
Contudo, data venia, a resposta não espelha a efetiva realidade, assim como a forma supostamente conduzida pelo Município para o atendimento da questão também não atende a urgência que o caso requer, além em importar em completo desprestígio com o Ministério Público e com o Judiciário.
Basta ver o teor do ofício encaminhado às fls. 121/123, onde há menção de ter o Município solucionado parte dos problemas de infra-estrutura (sem qualquer prova nesse sentido), de que a reforma nos telhados estaria sendo buscada através da "responsabilização do proprietário" e que muitas soluções não haviam sido alcançadas diante da necessidade de "um tempo maior e projetos específicos, tanto de orçamento, quanto de engenharia, além da burocracia, pelo imóvel não ser público".
Ora, os laudos encaminhados pela Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros foram feitos no último mês de maio e nenhuma das supostas soluções foram comprovadas nos autos e tampouco houve menção a esta magistrada de sua efetivação por parte da Equipe Técnica da Casa Lar ou mesmo da Municipalidade. Se o foram, certamente não para o atendimento das questões mais complexas e mais graves narradas nos autos.
Ademais, se o Município tinha conhecimento da existência do Inquérito Civil desde o mês de fevereiro de 2011 e da proposta de celebração de Termo de Ajuste de Conduta no último mês de junho, o mínimo razoável era o comparecimento de representantes das autoridades notificadas (o Município tem vários procuradores nomeados), para confirmarem ou não o interesse em sua celebração, com a juntada dos documentos pertinentes a fim de comprovarem a suposta solução das demandas.
Na verdade, durante longo tempo houve tentativa de solução dos problemas vivenciados pela Infância e Juventude do Município sem a propositura de ações próprias por parte do Ministério Público, em razão de se entender inicialmente haver disposição e vontade política no atendimento das demandas mais prementes.
Entretanto, as soluções conciliatórias acabaram no momento em que o Município primeiramente deixou de compor Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, ao ser chamado a solucionar o impasse da ausência de número de funcionários, especialmente técnicos, para o atendimento da demanda reprimida nos programas sociais de atendimento das políticas públicas, cuja lista de espera em programas vitais como o Sentinela – posteriormente abrangido pelo PAEFI - apontavam o número de mais de 170 crianças e famílias para atendimento desde setembro de 2009.
Nessa primeira tentativa de termo de ajustamento de conduta, alegou o Município a impossibilidade de cumprimento dos prazos constantes nas cláusulas dispostas - mesmo tendo havido esforço do Representante Ministerial em propor novos prazos -, sem apontar qualquer outra solução para a questão a curto prazo.
Esse impasse redundou na interposição na ação Ação Civil Pública de n. 045.11.004099-0, que teve a liminar integralmente deferida por parte deste Juízo em data de 02/05/2011 e aguarda decisão no agravo de instrumento interposto perante o e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
(...)
Assim, diante da gravidade dos fatos apontados na presente ação que demonstram a necessidade urgente de tomada de medidas junto as casas de acolhimento institucional deste Município, a fim de sanar as irregularidades amplamente expostas em todos os documentos que compõem o feito, o fato do Município de Palhoça estar ciente de suas vicissitudes há longa e não ter logrado êxito em sanar razoavelmente as mazelas existentes, é que entendo demonstrado o periculum in mora alegado na inicial para sustentar o pedido de liminar.
O fumus bonis iuris está fartamente demonstrado em todas as provas juntadas, especialmente o Inquérito Civil Público nº 06.2009.004870-6 juntado à inicial, conferindo assim a verossimilhança necessária às alegações formuladas.
Ante o exposto, DEFIRO integralmente o pedido liminar formulado e, consequentemente, determino que a parte requerida:
1. Providencie a nomeação/contratação/relotação de mais monitores, auxiliares de serviços gerais e funcionários responsáveis pela manutenção das casas lares, em quantidade a ser indicada pela Gerência do Programa Abrigo;
2. Providencie a nomeação/contratação de um(a) psicólogo(a) e de um(a) assistente social;
3. Providencie uma sala de atendimento para psicóloga e assistente social.
4. Providencie a realização de curso de capacitação com todos os funcionários das casas lares.
Para as providências acima referidas fixa-se um prazo de 60 dias.
5. Na Casa Lar Masculina:
A) Resolva os problemas de presença de mofo, goteiras, infiltrações, pintura descascada, fissuras nas paredes e telhado;
B) Resolva os problemas nos banheiros de infiltração, torneiras e registros de água danificados (com vazamento) e um deles com a porta quebrada;
C) Efetue a troca dos travesseiros que estão sem capa e em mau estado de conservação;
D) Providencie atestados de saúde atualizados para os funcionários responsáveis;
E) Obrigue os profissionais ao uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual);
F) Adeque a iluminação em algumas dependências, colocando-se lâmpadas, retirando-se a fiação exposta e os problemas de infiltração;
G) Tome providências para que não se constate mais a presença de diversos vetores na parte externa, como baratas e ratos;
H) Efetue limpeza da caixa d'água e retire o excesso de lixo.
I) Providencie projeto preventivo contra incêndio;
J) Providencie atestados para habite-se e funcionamento;
K) Atenda às normas de segurança contra incêndios nos botijões de gás (GLP);
L) Instale carga de GLP fora da proteção vertical da edificação, sob proteção de abrigo, em local ventilado;
M) Instale abertura para ventilação permanente no ambiente onde existe aparelho de queima (inferior máximo de 0,80m e superior altura mínima de 1,50m);
N) Substitua a mangueira flexível com tarja amarela aprovada pela ABNT;
O) Instale registro de corte junto ao ponto de consumo de GLP;
P) Na saída de emergência, redimensione o corrimão e guarda corpo da escada de acesso ao pavimento superior (acesso à administração);
Q) Redimensione o gás canalizado e a saída de emergência;
R) Instale sistema de proteção por extintores, sistema de sinalização de abandono de local e sistema de iluminação de emergência;
S) Providencie atestado de vistoria de funcionamento, mediante regularização da edificação;
6. Na Casa Lar Feminina:
A) Resolva os problemas no esgoto (fossa séptica danificada);
B) Resolva os problemas nas paredes, telhados e pinturas, em razão da presença de mofo, umidade, goteiras e infiltração, tanto na parte interna como na parte externa;
C) Tome providências para que se elimine a presença de vetores, como ratos e baratas;
D) Providencie área de recreação adequada às crianças;
E) Embale e acondicione o lixo de forma correta;
F) Providencie que os chuveiros tenham condições de uso;
G) Providencie local adequado para lavagem e desinfecção dos utensílios e equipamentos;
H) Providencie pisos e paredes íntegros, laváveis e impermeáveis;
I) Providencie a colocação de telas nas aberturas, impossibilitando-se a circulação de vetores;
J) Organize na sua totalidade o berçário;
K) Resolva o problema do vazamento na pia da cozinha;
L) Retire do tanque usado para lavagem de roupas o lançamento de esgoto;
M) Resolva o problema da fiação elétrica exposta;
N) Obrigue os profissionais ao uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual);
O) Providencie atestados de saúde atualizados para os funcionários responsáveis;
P) Providencie projeto preventivo contra incêndio;
Q) Providencie atestados para habite-se e funcionamento;
R) Atenda as normas de segurança contra incêndios nos botijões de gás (GLP);
T) Instale carga de GLP fora da proteção vertical da edificação, sob proteção de abrigo, em local ventilado;
U) Instale abertura para ventilação permanente no ambiente onde existe aparelho de queima (inferior máximo de 0,80m e superior altura mínima de 1,50m);
V) Substitua mangueira flexível com tarja amarela aprovada pela ABNT;
W) Redimensione o sistema de gás central canalizado;
X) Instale sistema de proteção por extintores, sistema de sinalização de abandono de local e sistema de iluminação de emergência;
Y) Providencie atestado de vistoria de funcionamento, mediante regularização da edificação.
Para as providências acima referidas, fixa-se o prazo de 45 dias.
7. Cite-se a parte requerida, na pessoa do seu representante legal, para contestar a ação, no prazo de 10 (dez) dias.
8. Fixo desde já, em caso de descumprimento, a multa diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Cumpra-se, com urgência. Intimem-se.
As crianças e adolescentes das casas lares agradecem...muito...
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