Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




segunda-feira, 8 de junho de 2015

Palhoça planeja serviço em que famílias acolham crianças e adolescentes em situação de risco




Dentro da proposta que já acontece em dezenas de municípios de Santa Catarina e em outros Estados em vez de serem encaminhados a abrigos, os menores seriam abrigos em casas de famílias do município.

Se o projeto de lei nº 564/2015 que foi lido na segunda-feira e tramita em regime de urgência na Câmara de vereadores de Palhoça for aprovado, até o fim do ano o município deverá contar com um novo modelo de atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco, afastados da família por decisão judicial e medida de proteção, um serviço chamado Família Acolhedora. De acordo com o programa, que é um dos serviços de proteção especial do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), em vez de os menores irem para abrigos institucionais, eles são encaminhados para residência de famílias cadastradas que cuidam da criança ou adolescente até que seja possível o retorno à família de origem ou, se isso não for possível, o encaminhamento para adoção.

As famílias, antes desconhecidas, ficam responsáveis pelas crianças em todo período que o processo legal tramita, é como se fosse uma adoção temporária. Porém, um dos pré-requisitos é justamente que a família não tenha a intenção de adotar, não esteja inscrita no cadastro de adoção. Os cuidadores precisam estar cientes de que uma hora terão que se desligar da criança.

Os tios, como são orientados a serem chamados para que haja o entendimento de que não são pais nem mães, além da atenção e proteção, devem cuidar e proporcionar a alimentação, escola, lazer e todos os cuidados necessários que o menor teria em uma família. Para auxiliar nesse processo, a família recebe uma ajuda de custo em dinheiro do município.

O tempo de acolhimento varia de acordo com a decisão judicial, mas a legislação em Palhoça determina que o acolhimento em família seja de no máximo dois anos para a mesma criança ou adolescente, mas a família que acolhe pode participar do programa mais de uma vez. Para ser uma família acolhedora é necessário que o responsável seja maior de 24 anos e morador do município há mais de dois anos. Todas as pessoas que vivem na casa também precisam estar de acordo. Por isso, antes da aprovação, além da capacitação a avaliação criteriosa, é feita uma visita na casa e entrevista individual com cada morador.

Serviço já acontece em dezenas de cidade de Santa Catarina

O programa é novo na Grande Florianópolis, mas não é novidade em outras regiões do Estado. Segundo levantamento feito pela Secretaria de Estado de Assistência Social ano passado, 59 municípios faziam o trabalho. O município pioneiro em Santa Catarina foi São Bento do Sul, que realiza o programa há 13 anos e mês passado a cidade recebeu o inglês Mick Pease, fundador do Serviço de Famílias Acolhedoras no Reino Unido, considerado referência mundial no assunto, para uma palestra.

Atualmente há 17 famílias cadastradas no município, das quais nove estão acolhendo 10 crianças.

Assistentes sociais e psicólogos envolvidos no processo afirmam que o programa busca cumprir o artigo 34 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) cujo texto afirma que “a inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento constitucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida”. 

Ou seja, seria melhor esse tipo de acolhimento, mais individualizado do que o tratamento coletivo em abrigos institucionais.

O serviço será instituído em Palhoça por causa de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) proposto pelo Ministério Público de Santa Catarina em uma ação ajuizada pela 1ª Promotoria de Justiça de Palhoça, por causa do descumprimento de outro TAC há dois anos, quando o Projeto de Lei n. 814/2011 para a criação do o Serviço de Acolhimento Familiar que tramitava na Câmara naquele período foi retirado.

Na justificativa, o promotor Aurélio Giacomelli da Silva afirma que o perigo na demora da efetivação do serviço consiste na privação da criança e adolescente em situação de risco do direito à convivência familiar. Ainda segundo relato dele no processo instituído há dois anos, os menores de Palhoça que não possuíam condições de permanecer em sua família de origem na época eram acolhidos institucionalmente, quando poderiam ser recebidos, em caráter temporário, por família  acolhedora. 

Ele alega que “por mais bem estruturado que seja um abrigo institucional não consegue suprir, com a mesma eficácia de uma família, as necessidades afetivas e psicológicas de um ser humano em desenvolvimento”.

O projeto de lei em Palhoça, cidade que hoje conta com três abrigos para atender 40 crianças e adolescentes em situação de acolhimento, foi lido na sessão de segunda-feira e deve ser colocado na pauta para votação na próxima semana. Não houve emenda ou questionamento por parte dos vereadores. A proposta é estruturar o serviço entre julho e dezembro, começar a chamar e capacitar as famílias também neste período para que o serviço esteja em funcionamento em 2016. É preciso contratar equipe técnica que inclui psicólogos, assistente social e pedagogo e dão suporte para todo o serviço.

A assistente social e diretora da alta complexidade da secretaria de assistência social de Palhoça, Maristela Truppel, 44, explica que quando o TAC foi firmado havia demanda grande de acolhimentos, as casas estavam atendendo e não davam conta da demanda. Para implantar o projeto a equipe de Palhoça visitou o serviço em Campinas, São Paulo, que foi o pioneiro no país, e outras cidades fora do Estado. “Fomos conhecer os desafios, no papel parece uma ideia utópica, fomos conversar com os profissionais para saber do cotidiano e dificuldades que serviço demanda e ter aplicação mais efetiva”. Sobre o vínculo afetivo, Maristela afirma que é necessário porque o propósito é justamente que a criança se sinta protegida e cuidada. Para trabalhar a questão do desapego, inevitável no fim do processo, as famílias passam por treinamento e acompanhamento pela equipe técnica, assim como as crianças atendidas.
Cuidadora afirma que participar do serviço é um ato de compaixão

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social o serviço deve ser organizado de acordo com os princípios, diretrizes e orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente. O acompanhamento da equipe deve abranger a criança e/ou adolescente acolhido e também sua família de origem, com vistas à reintegração familiar.

No município de Jaraguá do Sul o Acolhimento Familiar já acontece há dez anos. Há três o casal Tereza Oliveira Mafra, 49 e Valdecir Mafra, 49, abriga crianças e adolescentes na família. Eles têm dois filhos, de 25 e 28 anos, que já casaram e não moram mais com eles e dizem que além de sentir que estão ajudando outros, também são beneficiados com carinho e movimento de crianças que eles já não têm mais em casa. Ela conta que conhece o serviço há mais de 20 anos, quando morava no Paraná e participava de um programa do tipo. Quando soube que também funcionava em Jaraguá logo se inscreveu.

Tereza diz que o principal motivo que a fez tomar a decisão de participar, foi ver meninas adolescentes sem cuidados, sem referência de família. “Pra nós é muito fácil, a família toda se envolve. É um privilégio poder ajudar, é ter compaixão com essas pessoas. Via que essas meninas se tornavam mulheres cedo demais e com uma vida bem difícil porque não tiveram essa referencia”, conta.

O casal já fez o trabalho de acolhimento três vezes antes de acolher o bebê de um ano e meio que hoje convive com eles. O primeiro acolhido foi uma criança de nove anos, depois uma de doze e por último um adolescente de 15 anos. “Todas as crianças que eu tive na minha casa, ainda são meus no coração. Eu sou a tia. O pai que adotou o primeiro menino que recebi virou meu filhão, meu amigão. Às vezes me falam como eles mudaram, como pegaram jeito da família e agradecem. Isso que é
gratificante”, diz Tereza.

A assistente social do programa em Jaraguá do Sul Cristiane Medeiros afirma que o acolhimento familiar é sempre mais positivo do que o institucional. Jaraguá tem dois abrigos, um para 20 e outro pra 15 mais adolescentes. Há 14 famílias inscritas no serviço e quatro em processo de inscrição, cadastro e preparação. “As crianças, às vezes, confundem acolhimento com adoção, mas fazemos um trabalho justamente para que entendam que é uma família temporária, que são tios e tias que vão
cuidar deles por um tempo” diz Cristiane lembrando que desde os três anos, quando as crianças já compreendem melhor, a equipe explica como funciona a família temporária.

Ela explica que alguns sofrerem violência muito grave e não tem a percepção de uma família saudável e tem dificuldade de relacionamento. “Com o acolhimento mudam. Geralmente diminui a agressividade e melhora o rendimento escolar, porque tem que alguém que acompanha e ajuda”, completa. A psicóloga Kitiane Ulrich, 35 afirma que a situação ideal é que eles não tivessem sido retirados da família, que não fosse rompido nenhum vínculo, mas como isso não aconteceu “é muito melhor que estejam em famílias com atenção individualizada do que no abrigo”.

Serviço precisa ter equipe estruturada e preparada para atender as famílias 

Apesar de incentivado pelos juizados e pelo governo nas três instâncias, federal, estadual e municipal, há quem desconheça ou tenha cautela em aplicar o programa e até discorde do modelo. Os municípios de Florianópolis, Biguaçu e São José trabalham apenas com abrigos. De acordo com a assessoria de imprensa de São José, que tem um abrigo próprio com 20 vagas e mais três conveniados com 60 vagas, existe projeto de implantação do Família Acolhedora e casas lares, previstos para serem colocados em pratica até 2017.

Na Capital, que hoje tem dois abrigos próprios para adolescentes e dezenas de instituições conveniadas que atendem crianças, o serviço está sendo estudado desde o ano passado. De acordo com a Kathia Abraham, diretora da assistência social do município, é preciso muito investimento na equipe técnica e as crianças, que já tiveram os direitos violados, devem ser tratadas com todo cuidado. “É preciso ter 100% de atenção e certeza de que o lugar é seguro e protegido. Para isso é necessário profissionais capacitados e vigilância constante nas famílias”, diz.

Por causa destes motivos Kathia afirma que a secretaria estuda o programa e como aplicar no município de maneira estruturada e com planejamento preciso. Conhecendo a experiência de outros locais ela fala que nem todos tem a certeza de que foi o melhor passo, em alguns casos, famílias buscaram o programa no interesse financeiro, por isso é preciso muito planejamento e condições de cumprir a proposta: “Aprofundamos muito o planejamento, é bem complexo e não tem como implantar sem ter certeza da qualidade, de que vai dar certo. O investimento, principalmente em equipe, é alto. Pretendemos implantar, mas com muita cautela e planejamento”.

A presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB/SC (Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina), Retijane Popelier não concorda com o serviço. Ela acredita que o programa, nos moldes como foi feito no país, não funcionou. Ela diz que não ve com bons olhos, por acreditar que o modelo incentiva a retirada da família de origem sem antes esgotar todas as possibilidades de manter o convívio. “A lei determina que se esgotem todas as tentativas na família e isso não acontece em Santa Catarina porque as varas da infância e juventude ou da família não tem estrutura suficiente para atender demanda, não há equipe para verificar caso a caso. Não teria inconstitucionalidade, mas há uma interpretação muito errada da realidade dessas crianças, trabalhamos contra o direito deles e o que elas desejam mesmo é ficar com a família”, opina.

Fonte: Notícias do Dia
Reportagem: Letícia Mathias
Publicada em: 06/06/2015


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