Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




terça-feira, 30 de junho de 2015

Preto, pobre, menor, infrator, bandido, sujo, desdentado, pivete e criminoso.



“Preto, pobre, menor, infrator, bandido, sujo, desdentado, pivete e criminoso...”

Você já parou pra conversar com um desses?

Provavelmente não...ele dá medo...chega quieto, tímido, fedido, sujo, drogado, completamente perdido. No início, parece que não quer conversar, principalmente se as perguntas são delicadas e as respostas ainda mais difíceis: não conheceu o pai, a mãe é alcoólatra, mora em uma vala sem saneamento básico, não conseguiu vaga na escola, já passou ou passa fome, nunca foi a um médico, não é registrado (sim com 16 anos!) e a única referência é o traficante do bairro. O que você quer que ele faça?

Estou falando aqui do jovem que vive em um mundo que desconhecemos e do qual estamos completamente desconectados e alheios (porque queremos, é claro!). Esse adolescente só aparece para a sociedade quando é barrado em Shopping Center ou quando vem vender bala ou pedir esmola na sinaleira. Ou então quando pratica ato infracional, geralmente uma conduta extrema que se trata do resultado de uma vida de abandono. É claro  que deve ser responsabilizado (advertência, liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, obrigação de reparar o dano patrimonial, semiliberdade e internação – já não basta?), mas também orientado e ressocializado.

Com a redução da maioridade penal, vamos pegar esse jovem de 16 ou 17 anos de idade “preto, pobre, menor, infrator, bandido, sujo, desdentado, pivete e criminoso” que cometeu ato ilegal mais grave, vesti-lo de laranja (roupa de presidiário), colocar as algemas, as tornozeleiras e vamos remetê-lo para nossas masmorras ou presídios (são sinônimos). Ele vai entrar, passar pelos batismos e aprendizados do crime organizado, vai cumprir a pena e vai sair. E quando ele sair, daí pergunto: o que você quer que ele faça?

Nossa sociedade e nossas instituições negligentes deixaram por anos à margem da sociedade centenas de milhares de jovens, em descumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente e agora, de forma cruel, vão empurrar esses mesmos adolescentes  para o cárcere? Ou você acha que no nosso sistema penitenciário eles ficarão em celas separadas? É óbvio que não. Aliás, você conhece uma cela do nosso sistema penitenciário? O que você quer que ele faça?

Os políticos que estão recebendo a “fama” pela redução da maioridade penal são os mesmos que administraram grandes estados brasileiros por anos e que não implementaram de forma efetiva as políticas públicas respaldadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. E as medidas socioeducativas antes citadas ainda não são aplicadas com a estrutura correta depois de quase 25 anos de vigência do referido Estatuto! E grandes instituições brasileiras, com algumas poucas exceções, se calam e se omitem diante de tamanha barbaridade.

A redução da maioridade penal é mais uma derrota advinda da sociedade hipócrita e elitista brasileira, que tolera a corrupção e a falta de vergonha dos nossos políticos; se omite quanto não há garantia de saúde, educação e dignidade para todos; faz panelaços e manifestações públicas oportunistas que se esvaziam com o tempo e parece perdida e atônita com relação aos seus verdadeiros direitos. Mas, por outro lado, não tolera de forma alguma o “preto, pobre, menor, infrator, bandido, sujo, desdentado, pivete e criminoso”.

Uma parte nobre da nossa história está sendo manchada com a redução da maioridade penal: a luta e a conquista dos direitos da população infantojuvenil,  que depois de muito esforço foi consagrada na Constituição da República e detalhada no Estatuto da Criança e do Adolescente. 

“Preto, pobre, menor, infrator, bandido, sujo, desdentado, pivete e criminoso...”. Você já parou pra conversar com um desses? O que você quer que ele faça?

Aurélio Giacomelli da Silva
Promotor de Justiça
1ª Promotoria de Justiça de Palhoça  

2 comentários:

  1. São as mazelas da nossa sociedade...reflexos da questão social do capitalismo selvagem...da desigualdade social...Soluções simples dos nossos políticos e da sociedade para questões tão complexas!!!

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  2. Quer dizer então que o jovem com 19 anos (igualmente pobre, preto, sujo e favelado) pode ser jogado a própria sorte dentro desse sistema prisional falido?
    Concordo plenamente que o sistema prisional não reeduca e socializa o interno. Mas fazer o que? Soltar todos eles, independentemente da idade? Se vamos assegurar a garantia fundamental de isonomia, inclusive a que não permite distinção de tratamento pela idade, deixamos então de punir os maiores de 18 anos, que muito provavelmente tiveram as dificuldades apontadas no texto e que certamente enfrentarão os mesmos problemas de quem estará no sistema carcerário com 16, 18, 25 ou 40 anos.
    Não discordo que há efetiva necessidade de uma reestruturação na educação, a adoção de políticas públicas de inserção social e que muito provavelmente a redução da maioridade penal não irá diminuir a criminalidade. Mas não há como conceber que um homem de 17 anos - tanto aquele que nasceu em berço de ouro como aquele que conhece apenas a realidade da favela - não tenha ciência de que matar, estuprar ou sequestrar é errado e de que há sim - sempre há - outra opção.
    Que não se puna então ninguém que não teve oportunidade na vida... Independentemente da idade.
    Digo mais: a mesma bancada que alegou ser necessário o aumento no investimento da educação foi a mesma que cortou 9 bilhões do orçamento justamente (pasme) para a educação. Incoerência completa.
    O problema é o sistema prisional? Que se mude a forma de ressocializar o apenado e o entregue à sociedade uma pessoa de bem. Mas o argumento utilizado no artigo (que eu respeito) pode ser utilizado para abonar a conduta de qualquer pessoa que sinta-se injustiçada pelo mundo. Talvez sejam... Mas quem descamba para a criminalidade é vítima tão somente de si mesma.

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