Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




quinta-feira, 17 de maio de 2012

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PALHOÇA, PARA CONCESSÃO DE VAGA EM CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL PARA CRIANÇA, SOB PENA DE BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS E COMINAÇÃO DE MULTA PESSOAL AO PREFEITO DE PALHOÇA (segue a íntegra da petição inicial)




EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA, ÓRFÃOS, SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PALHOÇA/SC.   

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por intermédio de seu Órgão de Execução, com fundamento nos artigos 1º, incisos II e III, 6º, caput, 23, inciso V, 127, caput, 129, incisos II e III, 205, 208, inciso IV, 211, § 2º, e 227, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; nos artigos 3º, 4º, 53, 54, inciso IV, 148, inciso IV, 201, incisos V e VIII, 209, 210, inciso I, e 213 e seus parágrafos, todos da Lei n. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); no artigo 25, inciso IV, da Lei n. 8.625/93; no artigo 82, inciso VI, alínea 'c' da Lei Complementar Estadual n. 197/2000; no artigo 5º, inciso I, da Lei n. 7.347/85, na Lei n. 9.394/96 e demais dispositivos pertinentes, vem propor a presente: 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE LIMINAR,

em desfavor do MUNICÍPIO DE PALHOÇA, pessoa jurídica de direito público, CNPJ 82.892.316/0001-08, com endereço na Avenida Hilza Terezinha Pagani, n. 289, Parque Residencial Pagani, Palhoça/SC, por seu representante legal, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:

I - DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO:

Extrai-se da Lei n. 8.069/90 que é competente o Juízo da Infância e Juventude para julgar ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, conforme se depreende da leitura do artigo 148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Infere-se ainda da lei antes mencionada que as ações relacionadas à criança e ao adolescente serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo Juízo terá competência absoluta para processar a causa (artigo 209 da Lei n. 8.069/90).

Paralelamente, o Código de Processo Civil (art. 100, inciso IV, alínea 'd'), dispõe taxativamente que é competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita para a ação em que se lhe exigir o cumprimento.

Portanto, como a presente Ação Civil Pública tem por escopo salvaguardar o direito de criança residente neste Município de Palhoça/SC, a fixação da competência deve ocorrer neste foro judicial.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA:

Da legislação constitucional e infraconstitucional deflui a legitimação do Ministério Público para a propositura da ação civil pública na defesa dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos.

O artigo 127, caput, da Constituição Federal prescreve que: 

"O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". 

Ademais, o artigo 129, incisos II e III, da Constituição de 1988 dispõe:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 
[...] 
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

E no tocante à legitimidade do Ministério Público em ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais, coletivos ou difusos de crianças e adolescentes, claro é o artigo 201 da Lei n. 8.069/90, que enuncia:

Art. 201. Compete ao Ministério Público: 
[...]
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal; 
[...]
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

Tal legitimação decorre também do art. 25 da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

No mesmo norte, prevê o art. 82, inciso VI, alínea 'c', da Lei Complementar Estadual n. 197/2000:

Art. 82. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável:
[...]
VI - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, para:
[...]
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, individuais homogêneos, difusos e coletivos relativos à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e às minorias étnicas.

Não se olvida, ainda, que a Lei n. 7.347/85, em seu art. 5º, autoriza o Ministério Público a propor ações destinadas à tutela desses interesses em juízo. 

Acerca da legitimidade do Ministério Público, Hugo Nigro Mazzilli leciona que:

[...] Diz o art. 127, caput, da Constituição que o Ministério Público está encarregado da defesa dos interesses sociais e dos individuais indisponíveis. Daí se infere que, quanto aos interesses de caráter social, o Ministério Público os defende todos, e, quanto aos individuais, apenas se indisponíveis. À primeira vista, poderíamos ser tentados a crer que o Ministério Público não poderia defender interesses individuais homogêneos, quando disponíveis; assim, vez ou outra se vê na jurisprudência algum julgado a dizer que o Ministério Público só poderia defender interesses individuais homogêneos se indisponíveis. Essa, porém, é leitura apressada do dispositivo constitucional. Sem dúvida, há absoluta compatibilidade em que o Ministério Público defenda interesses individuais homogêneos, quando indisponíveis. Mas quanto aos interesses individuais homogêneos disponíveis, o Ministério Público também os poderá defender, quando tenham suficiente expressão ou abrangência social, o que lhes conferirá a natureza de interesse social  [...] (A defesa dos interesses difusos em juízo. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 107/108) (grifei)

De mais a mais, sobre o tema, já se decidiu:

AÇÃO CIVL PÚBLICA - MATRÍCULA DE CRIANÇAS EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA - AGRAVO RETIDO - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DE DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL - CONCESSÃO DE LIMINAR SEM A OITIVA DO REPRESENTANTE DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO - ART 2º, DA LEI 8.437/92 - URGÊNCIA DA TUTELA - AUSÊNCIA DE NULIDADE - IMPROVIMENTO DO AGRAVO RETIDO.
De acordo com os arts. 127 e 129, da Constituição Federal, e arts. 201, V e VIII, 208, III, e 210, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, resta nítida a legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa de direito individual indisponível, consistente no direito das crianças ao atendimento em creche e pré-escola [...] (TJSC - Processo: 2009.037559-5. (Acórdão). Relator: Sérgio Roberto Baasch Luz. Data: 24/09/2009) (sem grifo no original).

Assim, denota-se que o Ministério Público detém legitimidade para propor esta ação.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA:

Por outro lado, inegável que o Município de Palhoça possui legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda.

Extrai-se do § 2º do artigo 211 da Constituição Federal que:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. 
[...]
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

Ademais, a Lei n. 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional) dispõe que:

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;
II - exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal. 

Logo, conclui-se que o Município aludido possui legitimidade para figurar no polo passivo da presente Ação Civil Pública. 

IV - DOS FATOS:

Este Órgão de Execução do Ministério Público instaurou o Procedimento Preparatório n. 06.2011.006275-4, a fim de apurar eventual situação de risco de criança residente neste Município de Palhoça/SC, após o recebimento de cópia de Ação Penal oriunda da 1ª Vara Criminal desta Comarca (fls. 2/13).

Na sequência, o referido Procedimento foi encaminhado ao Serviço Social do Ministério Público, que efetuou visita na residência da família de Marina Emília Soares, ocasião em que se verificou que o referido núcleo familiar não estava sendo atendido por programa de assistência desta municipalidade e que as crianças Karolaine Soares Nunes, nascida em 06/04/2007, e Wellington Soares Nunes, nascido em 11/05/2009, estavam na fila de espera por vaga, em período integral, no estabelecimento de ensino denominado CEI Ulisses Guimarães.

 Nesta oportunidade, a assistente social verificou também que a genitora de Wellington trabalha como auxiliar de limpeza e recebe o salário de R$ 685,00 (seiscentos e oitenta e cinco reais) (Relatório de Informação n. 243/2011 – fls. 14/16).

Após, este Órgão de Execução adotou as providências necessárias objetivando a inclusão da aludida entidade familiar no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, e expediu ofícios à Secretaria de Educação e Cultura de Palhoça, requisitando que fossem disponibilizadas vagas em creche aos infantes acima mencionados.

Ressalte-se que o Ministério Público expediu à referida Secretaria da Educação os Ofícios n. 1940/2011/01PJ/PAL (fl. 18), 0123/2012/01PJ/PAL (fls. 19 e 21), 0345/2012/01PJ/PAL (fls. 22/23) no escopo de viabilizar o fornecimento das vagas em creche.

Empós, aportou nesta Promotoria de Justiça o ofício proveniente da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Palhoça informando que foi concedida vaga à criança Karoline Soares Nunes, sem se manifestar no tocante ao infante Wellington Soares Nunes (fls. 24/25).   

Diante disso, expediu-se novo ofício à Secretaria de Educação e Cultura do Município de Palhoça, requisitando vaga em creche a Wellington Soares Nunes (fls. 26/27).

Em resposta, o Superintendente Municipal de Educação e Cultura de Palhoça informou, em resumo, que "esta Secretaria não conseguiu vaga ao infante WELLINGTON SOARES NUNES no CEI Ulisses Guimarães – Frei Damião, pois as vagas foram preenchidas em fevereiro com o plano de matrículas" (fl. 28).

Assim, diante do descaso do Município de Palhoça para com a educação de criança residente nesta Comarca, este Órgão de Execução do Ministério Público extraiu cópia do Procedimento Preparatório n. 06.2011.00006275-4 para salvaguardar o direito do mesmo.

De todo o relatado, denota-se que o Município de Palhoça está negligenciando a oferta de educação infantil, quer seja de rede própria ou conveniada, ao infante Wellington Soares Nunes.

Nesse contexto, diante da constatação de que o Município detém numerário para financiar inúmeras obras e eventos de grande porte, conforme se pode verificar em todos os pontos de nossa cidade e nas manchetes de todas as formas de mídia, não há dúvidas de que também possui numerário para fins de contemplar os interesses da infância e juventude, que são de prioridade absoluta, por força de comando constitucional. 

Portanto, imprescindível que haja previsão orçamentária específica e suficiente para o atendimento das crianças em creches e pré-escolas sendo, em último caso, ajustada a destinação dos valores eventualmente previstos para outros serviços ou obras para a criação dessas vagas, tudo em reverência ao princípio da prioridade absoluta.

Atente-se, por exemplo, que as quantias que são direcionadas para a realização de diversos eventos de grande porte nesta cidade seriam mais do que suficientes para a criação desta e de diversas outras vagas pleiteadas, bem como na contratação do pessoal para a regular a oferta desse serviço, reputado essencial.

Registre-se ainda que com políticas públicas que não priorizam o ensino infantil não estamos comprometendo tão somente o desenvolvimento de nossas crianças e futuros cidadãos, o que já seria suficiente para ensejar medidas urgentes nesse campo, mas podendo atingir toda uma estrutura familiar, contribuindo para o aumento da pobreza e dificultando cada vez mais a pretendida erradicação do trabalho e da mendicância infantil, entre outros efeitos nocivos. Tais constatações, aliás, não demandam muitos esforços para serem percebidas dia a dia nesse Juízo da Infância e Juventude, diante do crescente número de processos envolvendo tais situações de vulnerabilidade de crianças e adolescentes.

Ressalte-se, também, que a criança que tem direito a vaga em creche é pessoa em desenvolvimento que a própria Constituição Federal denomina “sujeito de direitos”. É ela a “prioridade absoluta constitucional”, que está sendo vítima da omissão do Estado.

A omissão, portanto, é cristalina e não deve prosperar.

Frise-se que a presente Ação Civil Pública pretende compelir o Município de Palhoça a conceder vaga no estabelecimento de ensino CEI Ulisses Guimarães ou em outra entidade particular às expensas da municipalidade, à criança Wellington Soares Nunes, nascido em 11 de maio de 2009, residente na Rua Beira Rio, s/n., Bairro Frei Damião, Palhoça/SC, sem prejuízo da necessidade de dar o mesmo atendimento às crianças que vieram a necessitar da vaga.

Diante disso, este Órgão de Execução do Ministério Público, com o intuito de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais que amparam a criança, propõe a presente Ação Civil Pública no escopo de salvaguardar seus direitos e interesses.

V  DO DIREITO:

A Constituição da República Federativa de 1988 estabelece em seu art. 1º, incisos II e III, que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
II – a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana.

Adiante, a lei fundamental, em seu art. 6º, dispõe:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Ademais, extrai-se da dicção do art. 23, inciso V, da Magna Carta que:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

Ainda, a fim de promover a educação, a Lei Maior assevera que:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

De mais a mais, a redação do art. 211, § 2º, da Constituição Federal é clara ao dispor que:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. 
[...]
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente afirma:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
[...]
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; 
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...].

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: 
[...]
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; 

Aliás, a Lei n. 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional) dispõe que:

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;
II - exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal. 

Logo, denota-se que o Brasil possui uma avançada legislação relacionada aos infantes e à educação, pois existem os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, mas que, em situações como a do vertente caso é lamentavelmente menosprezada.

E, acerca da legislação acima citada, insta transcrever o entendimento de Válter Kenji Ishida:

"Pode-se falar conforme acima aludido na existência da doutrina da proteção integral. Para assegurar a mesma, formularam-se princípios menoristas, destacando-se o da prioridade absoluta, e o do melhor interesse [...] o princípio da prioridade absoluta possui o status constitucional, com a previsão no art. 227 da Carta Magna. A prioridade absoluta significa primazia, destaque em todas as esferas de interesse, incluindo a esfera judicial, extrajudicial ou administrativa". (Estatuto da Criança e do Adolescente. 12. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. págs. 6/7)

Nesse diapasão, necessário se faz também mencionar as lições de Munir Cury, et al, acerca dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente:

"Não se trata, neste caso, de palavras inúteis, como às vezes se diz das solenes declarações constitucionais. As regras ali enunciadas colocam também algumas normas de caráter imediatamente preceptivo, isto é, às quais todos devem imediata obediência, pois são suficientemente precisas; mas têm importância decisiva também por seu aspecto programático, isto é, aquele que se refere às normas concretas para implementação do programa". (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. pág. 35) 

Ademais, no que se refere ao direito à educação, previsto na Magna Carta e no Estatuto da Criança e do Adolescente, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, et al, aduz:

Conceitua-se a educação como sendo o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social. 
O processo educacional visa a integral formação da criança e do adolescente, buscando seu desenvolvimento, seu preparo para o pleno exercício da cidadania e para ingresso no mercado de trabalho (art. 205, CF).
É direito fundamental que permite a instrumentalização dos demais, pois sem conhecimento não há o implemento universal dos direitos fundamentais. A ignorância leva a uma passividade generalizada que impede questionamentos, assegura a manutenção de velhos sistemas violadores das normas que valorizam o ser humano e impede o crescimento do ser humano e o consequente amadurecimento da nação.  (Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 49). (sem grifo no original).

Dessa forma, verifica-se que no sistema legal brasileiro estabeleceu-se a primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesses.

E como a previsão de absoluta prioridade decorre da Constituição e da Lei Infraconstitucional, não há espaço para ponderações, devendo ser assegurados aos infantes todos os seus direitos elencados na legislação pátria, levando-se em consideração a condição de pessoas em desenvolvimento.

Torna-se claro, assim, o caráter preventivo da doutrina da proteção integral, a qual deve ser efetivada para salvaguardar as crianças. Do contrário, o texto legal será letra morta.

Consequentemente, caso o Município não observe esses direitos fundamentais, como ocorre no presente caso, pois está negando vaga em creche,  torna-se violador dos direitos preconizados tanto na Carta Maior, como no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cabe destacar que direitos fundamentais são direitos para os quais não se pode admitir desculpas, como dificuldades financeiras. Eles devem ser resguardados independente de qualquer situação.

Deste modo, é dever e obrigação do Município de Palhoça cumprir os direitos fundamentais das crianças palhocenses. 

E não se alegue falta de recursos financeiros, humanos ou materiais no escopo de se eximir de seu dever estabelecido, pois não cabem escusas ou justificativas para o descumprimento de direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente. Até porque investir na criança e no adolescente é investir no futuro.

Quanto a isso, já se decidiu:

[...] Ausência de previsão orçamentária a cargo do ente federativo demonstrada. Omissão, em afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso desprovido.
A proteção e a assistência a CRIANÇAS e ADOLESCENTES constitui despesa inadiável, imprescindível, constitucional e legalmente exigível, a qual não pode se furtar o Poder Público. A falta de previsão orçamentária pode ser facilmente contornada com créditos adicionais, inexistindo óbice à pretensão executiva. (TJSC - Apelação Cível n. 2008.077703-3, de Criciúma. Relator: Pedro Manoel Abreu. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 11/03/2010) (sem grifo no original)

Não se alegue também que o estabelecimento de políticas sociais derivadas de normas programáticas situa-se no âmbito do poder discricionário do administrador público, sendo vedado ao Poder Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade.

A autuação do Poder Judiciário nestes casos não interfere de modo algum na independência dos poderes, levando-se em conta a questão dos direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente.

Ademais, sabe-se que, na ocorrência de omissão por parte do Poder Público no cumprimento de norma constitucional elevada à categoria de norma fundamental, compete sim ao Poder Judiciário aplicar o direito ao caso concreto.

Diante desse contexto, não há que se falar em desrespeito à autonomia do Poder Executivo por parte do Judiciário. Comungar de tal raciocínio significa simplesmente negar a existência de uma função estatal em face da outra, o que é de todo descabido.

Muito pelo contrário, a espécie em análise não consagra qualquer tipo de desrespeito às autonomias, mas afirma a função jurisdicional em relação a função executiva mal exercida ou não exercida, o que é absolutamente corriqueiro em um Estado Democrático de Direito.

Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

[...] DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO  CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO [...] CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ  175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -1220). RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO. (STF - RE 482611 / SC - SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/03/2010) (sem grifo no original)

E, conforme afirmado alhures, é possível deduzir do caso em tela que não deve a omissão do administrador prosperar, no tocante ao não fornecimento de vaga em creche ou pré-escola, devendo o Município cumprir a legislação protetiva, no intuito de evitar prejuízo aos sujeitos do futuro do nosso país.

Logo, não deve Wellington Soares Nunes ser vítima da omissão do ente municipal, porque o nosso ordenamento e o princípio basilar da dignidade da pessoa humana refutam referida prática desprezível. 

Assim, conclui-se que caso o gestor público seja relapso e atue com descaso no que se refere aos direitos fundamentais relacionados à criança, não só permite-se, como também impõe-se a pronta atuação deste Órgão do Ministério Público, assim como do Poder Judiciário, no objetivo de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais.

VI – DA NECESSIDADE DA LIMINAR:

A omissão no fornecimento de creche ao infante Wellington Soares Nunes deve cessar imediatamente, exigindo que esta pretensão seja deferida desde o recebimento da presente inicial.

De outro modo, a postergação do problema vilipendia diariamente os seus direitos.

Atente-se que não só a Lei n. 7.347/85, em seu artigo 12, caput, como também o artigo 213, § 1º, da Lei n. 8.069/90, autorizam, mediante a relevância do fundamento da demanda e do justificado receio da ineficácia do provimento final, a concessão de liminar para conceder previamente o direito que se pretende resguardar, senão veja-se:

Do artigo 12, caput, da Lei n. 7.347/85, tem-se que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo."

E, do artigo 213, §1º, insculpido na Lei n. 8.069/90:

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. 

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu. 

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. 

Registre-se que a verossimilhança, requisito necessário à outorga da decisão liminar, encontra respaldo fático nos próprios fundamentos já narrados, vez que o direito pátrio impõe o direito à educação como fundamental e necessário para a instrumentalização dos demais direitos.

De mais a mais, é por meio da educação que a criança é preparada para o pleno exercício da cidadania.

Ressalte-se que a permanência de crianças fora de unidades de ensino contra a vontade de seus pais tem o condão de comprometer não só a efetiva aquisição do desenvolvimento almejado pelo ensino, prejudicando-a futuramente nos atos de sua vida, mas também da própria família, se um dos seus membros eventualmente tiver que abandonar ou recusar emprego porque a situação não permite que deixe o lar e seus filhos sem os cuidados necessários de um adulto.

Além disso, este Órgão Ministerial está pleiteando apenas o que o  Município tem obrigação de fazer.

Ademais, extrai-se da documentação juntada nesta exordial que o Ministério Público tentou exaustivamente a concessão da vaga sem recorrer ao judiciário, haja vista ter expedido vários ofícios para tal finalidade.

Fica assim demonstrada a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de ineficácia do provimento final, motivo pelo qual a concessão da liminar é medida que se impõe.

E, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que seja cominada multa diária para o caso do Município não providenciar a vaga em creche em favor do infante.

VII – DO "CONTEMPT OF COURT" E O BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS:

Sabe-se que o agente do Estado atua em nome do ente público e é diretamente responsável pela administração.

É sabido também que o ente estatal em si não possui vida, uma vez que é dirigido por gestores.

Assim, o Município possui comandante que assume a responsabilidade, no período do mandato, de administrar nos termos das leis e de respeitar eventual decisão judicial prolatada em desfavor do ente público. 

Todavia, não raras vezes aquele que ocupa o cargo público, mesmo conhecedor da existência de multa fixada contra o ente público para o caso de descumprimento de decisão judicial, age com irresponsável descaso frente à liminar concedida, pois sabe que os valores sairão dos cofres públicos, ou seja, recai sobre os cidadãos, já que o administrador público não se sensibiliza com o prejuízo e continua a agir ilegalmente.

A imposição de multa para pagamento ao Município é medida legal, que visa ao cumprimento da decisão. Contudo, como o valor da multa não é suportado pelo agente público, mas sim pelo ente municipal, esta circunstância tem gerado o desrespeito das decisões judiciais, além de duplo prejuízo para a população: primeiro porque o agente público não cumpre com suas obrigações; segundo porque o pagamento da multa é feito com dinheiro público.

Diante do descaso referido, o legislador pretendendo dar plena efetividade aos provimentos judiciais relativos às obrigações de fazer, fez constar no § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil que:

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

A partir daí novo entendimento doutrinário e jurisprudencial tem sido aplicado e tem permitido melhores resultados, com maior respeito às decisões proferidas.

Inúmeras decisões continuam a fixar a multa, com a diferença de que a mesma deve ser suportada pelo próprio agente público, pois é totalmente descabido ver a multa recair sobre a pessoa jurídica, quando esta depende da manifestação de vontade da pessoa física que exerce a função pública.

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de Luiz Guilherme Marioni, que leciona:

“Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente a agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional”.
"Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender à decisão – e não a cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público." (Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo: RT, 2004, p. 661-662)

Ademais, no dizer de Ada Pelegrini Grinover, “Contempt of Court” significa:

 “a prática de qualquer ato que tenda a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem” (GRINOVER, Ada Pelegrini, Abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court, Marcha, pp 62/69, especialmente, p. 68, ano 2000).

Portanto, objetivando a credibilidade do Poder Judiciário, este instituto deve ser aplicado sempre que decisões judiciais forem desrespeitadas.

Acerca da aplicação da multa em desfavor do gestor, o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisão recente, assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - CENTRO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE TUBARÃO - PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES - MORA DO PODER ESTATAL CARACTERIZADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA - CUMPRIMENTO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL – DESCABIMENTO. 
1 Em se tratando de violação a direitos assegurados constitucionalmente - dentre eles, o da proteção integral ao adolescente, inclusive do infrator (CF, art. 227) -, o Poder Judiciário não só pode como deve intervir e determinar a sua observância pelo Poder Executivo.
2 "A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada pelo Poder Público, com a propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de 'mínimo existencial', que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança" (AgRg-ARE n. 639337/SP, Min. Celso de Mello, j. 23.8.2011). (TJSC - Agravo de Instrumento n. 2011.006614-3, de Tubarão. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 18/01/2012) (sem grifo no original) 

E extrai-se do acórdão:

[...] entendo ser plenamente cabível a fixação de astreinte contra o agente público responsável pela tomada das providências necessárias ao cumprimento da decisão. Ora, nada impede que a autoridade pública venha posteriormente aos autos comunicar ao Juízo a existência de situação excepcional impeditiva da obediência do comando judicial, no interregno nele fixado, sem afrontar, por conseguinte, o seu direito ao contraditório e à ampla defesa [...]

No mesmo sentido, em decisão oriunda de Ação Civil Pública desta Comarca:

[...] é válido ressaltar que a aplicação de multa no caso de descumprimento da determinação judicial é cabível, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público:
[...]
MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO FIXADA NA SENTENÇA - FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. As astreintes podem ser fixadas pelo juiz de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público (Fazenda Estadual), que ficará obrigada a suportá-las casos não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado (Resp. n. 201.378, Min. Fernando Gonçalves). (TJSC - AP n. 2006.000886-0, de Mafra, Rel.
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 11/09/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – FORNECIMENTO DE REMÉDIO – TUTELA ANTECIPADA – PRESENÇA DOS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS" (ART. 273 DO CPC) – DIREITO CONSTITUCIONAL SOCIAL E FUNDAMENTAL – EXEGESE DOS ARTS. 196 DA CF/88 E 153 DA CE –AUSÊNCIA DE VERBA ORÇAMENTÁRIA – IRRELEVÂNCIA – COMINAÇÃO DE MULTA AO ENTE PÚBLICO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA
OBRIGAÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. (TJSC - AI n. 2007.002607-4, de Itapema, Rel. Des. Rui Fortes, j. em 21/08/2007).
Com efeito, considerando a gravidade que pode gerar o descumprimento da decisão agravada, a multa fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), sendo R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada secretário é razoável. (TJSC - 2012.015293-5   Agravo de Instrumento. Órgão Julgador CÂMARA CIVIL ESPECIAL) (grifo nosso).  

É essencial aqui a responsabilização pessoal do gestor, pela omissão, porque o problema relacionado à falta de vaga em creche ou pré-escola fere direito fundamental.

Assim, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que ao ser cominada multa diária ao Município de Palhoça, seja a mesma cobrada pessoalmente do Prefeito Municipal de Palhoça, Ronério Heiderscheidt, diretamente de sua folha de pagamento, para o caso de descumprimento da liminar.

Ademais, o Ministério Público requer ainda, no caso de descumprimento da liminar, o bloqueio das verbas públicas necessárias e pertencentes ao Município de Palhoça, por meio do Bacenjud, para garantia da educação infantil da criança mencionada, mesmo que em estabelecimento conveniado ou particular.  

O bloqueio de valores é perfeitamente cabível se o Ente Público se opõe a cumprir determinação judicial, ainda que não transitada em julgado, como meio de suprir necessidade urgente.
Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIABILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. Existem situações em que os requisitos legais para antecipação de tutela são tão presentes, que o fumus boni juris e o periculum in mora, e até o interesse público, não só recomenda como impõe a concessão de liminar para cumprimento pelo poder público, mesmo sem a sua manifestação prévia. Assim ocorre quando há preponderância de princípios constitucionais, no caso presente o direito à educação. EDUCAÇÃO INFANTIL. VAGA EM CRECHE MUNICIPAL. DIREITO SOCIAL CONSTITUICIONALMENTE GARANTIDO. INTERESSE DOS MENORES. A educação é um direito social, previsto constitucionalmente, que deve ser assegurado com absoluta prioridade em relação às crianças e adolescentes, incumbindo ao poder público a responsabilidade de garantir seus ingressos nas escolas ou creches, independentemente das regras administrativas. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. SUBSTITUIÇÃO POR BLOQUEIO DE VALORES PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA DECISÃO. POSSIBILIDADE. O bloqueio de valores apresenta-se como medida menos onerosa do que a imposição da multa diária. Agravo de instrumento provido parcialmente, de plano. (Agravo de Instrumento Nº 70039959424, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall\'Agnol, Julgado em 22/11/2010) 

APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. ECA. EDUCAÇÃO. VAGA EM ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO FUNDAMENTAL DA CRIANÇA À EDUCAÇÃO. A Constituição Federal, em seu art. 208, IV, garante ao infante de até cinco anos o direito à educação, assegurando-lhe o atendimento em creche ou pré-escola. A Lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação, em seu art. 11, V, atribuiu aos Municípios a competência para garantir a educação infantil. Uma vez negado ou dificultado o acesso à educação infantil, violando, assim direito fundamental subjetivo ao ensino, cabível a intervenção jurisdicional, a fim de garantir a efetividade dos preceitos legais e constitucionais. Alegação de superlotação nas creches e pré-escolas e de incapacidade orçamentária que não restaram comprovadas nos autos. Descabe condenar o Município a pagar honorários ao FADEP, já que o custeio do serviço público prestado pela Defensoria Pública é ônus do Estado. Possível o bloqueio de verbas públicas, ao fim de dar efetividade à ordem judicial de atendimento de vagas na educação infantil. Medida que não se mostra gravosa à sociedade e que garante aos menores o direito fundamental à educação. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70040907354, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 23/03/2011)

RECURSO DE APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL. VAGA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL - CRECHE. DIREITO À EDUCAÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL. DIREITO SOCIAL. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO EM SENTIDO AMPLO. ARTS. 6º E 208 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPOSSUFICIENCIA COMPROVADA. BLOQUEIO DE VALORES NAS CONTAS DOS ENTES PÚBLICOS. POSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO (FADEP). DESCABIMENTO. 1 - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo (art. 208, § 1º, da CF), sendo que os Municípios devem garantir atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (art. 208, IV, da CF e art. 54, IV, do ECA, e arts. 4º, IV, e 11, ambos da Lei nº 9.394/96). APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70043032028, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 30/06/2011) 

ECA. APELAÇÃO. PEDIDO DE VAGA EM CRECHE E EM ESTABELECIMENTO PÚBLICO DE ENSINO. DIREITO À EDUCAÇÃO. DEVER DO MUNICÍPIO. BLOQUEIO DE VALORES. CABIMENTO. 1. O Município tem a obrigação de assegurar o acesso das crianças à educação, cumprindo-lhe garantir vagas na rede pública de ensino, próxima da residência dos infantes e, na falta destas, deve proporcionar esse direito na rede privada, às suas expensas . 2. É cabível o bloqueio de valores quando permanece situação de inadimplência imotivada do ente público, pois o objetivo é garantir o célere cumprimento da obrigação de fazer estabelecida na decisão judicial. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70043742972, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 24/08/2011) 

Desta forma, as medidas postuladas anteriormente (multa pessoal ao Prefeito Municipal e bloqueio de verbas municipais) têm o condão de garantir a efetividade do provimento jurisdicional.

Saliente-se ser plenamente viável que o Município atenda a aludida determinação no prazo referido, bastando que, acaso não consiga adaptar sua estrutura física no Centro Educacional referido, que conceda a vaga para o infante em creche particular, responsabilizando-se pelas suas mensalidades e outras despesas. 

Registre-se que o Município já deveria há muito ter providenciado tal vaga, pois este Órgão de Execução do Ministério Público está requisitando a mesma desde o mês de novembro de 2011, afigurando-se insustentável que não tenha meios para o seu oferecimento regular.

Por fim, cabe destacar que caso haja descumprimento do preceito judicial, eventual multa aplicada deverá ser destinada ao Fundo Municipal da Infância e Adolescência (FIA).

VIII – DOS REQUERIMENTOS:

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer:

1. O recebimento da inicial; 

2. A concessão de liminar inaudita altera pars consistente em ordem judicial de obrigação de fazer, ou seja, que o Município de Palhoça conceda, no prazo de 10 (dez) dias, vaga em período integral no estabelecimento de ensino CEI Ulisses Guimarães à criança Wellington Soares Nunes, nascido em 11 de maio de 2009, residente na Rua Beira Rio, s/n., Bairro Frei Damião, Palhoça/SC, garantindo-se de forma permanente sua educação infantil;

3. Caso não haja possibilidade de concessão de vaga no CEI Ulisses Guimarães, que seja efetuada a matrícula do infante citado em creche particular mais próxima de sua residência, mesmo que não conveniada, às expensas do Município de Palhoça, no prazo de 10 (dez) dias;   

4. A fixação, em caso de não cumprimento da liminar, de multa diária equivalente a R$ 500 (quinhentos reais), a ser descontada diretamente da folha de pagamento do Prefeito Municipal, Ronério Heiderscheidt, revertendo a mesma em favor do Fundo da Infância e Juventude de Palhoça, independentemente das sanções cíveis e penais correspondentes;

5. No caso de descumprimento da liminar, o bloqueio das verbas públicas, nos valores necessários e pertencentes ao Município de Palhoça (a serem aferidos no momento oportuno), por meio do Bacenjud, para garantia da educação infantil do infante mencionado, mesmo que em estabelecimentos conveniados ou particulares.   

6. A citação do requerido para que, querendo, conteste a ação, na pessoa de seu representante legal; 

7. A produção de todas as provas em direito admitidas, documental, pericial e testemunhal, por intermédio da inquirição das pessoas adiante arroladas;

8. Seja julgado procedente o pedido ao final, mantendo-se a liminar concedida. 

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

Palhoça, 17 de maio de 2012.

AURÉLIO GIACOMELLI DA SILVA
PROMOTOR DE JUSTIÇA

Testemunha:

1. Gizelly Rodrigues – Assistente Social do Ministério Público de Palhoça/SC.

Um comentário:

  1. Parabéns mais uma vez ao Promotor Dr. Aurélio. Tomando estas medidas há a possibilidade do Senhor Prefeito agir de acordo com a lei. Por favor, Senhor Promotor, posteriormente informe à população o andamento deste caso. Esta criança precisa que seus direitos sejam garantidos.

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