Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




domingo, 13 de maio de 2012

Excelente artigo! A postura contestadora do Rock n' Roll na atuação jurídica







Ouvindo “And Justice for All” do Metallica enquanto lia uma reportagem sobre a prescrição de um processo contra um conhecido deputado, comecei a pensar no quanto o inconformismo e a vontade de mudança, tão presentes no Rock n´ Roll, fazem falta a alguns operadores do Direito. Com todo o respeito aos demais gêneros musicais, nenhum outro aborda questões sociais de maneira tão crítica e superadora de paradigmas quanto o rock.

Não me levem a mal: quando digo que os juristas deveriam incorporar em sua atuação o “espírito do rock”, não me refiro ao comportamento hedonista e, por vezes, autodestrutivo dos músicos.
 
Ninguém está sugerindo que um Juiz de Direito deva destruir uma sala de audiências como um roqueiro faz com um quarto de hotel. Refiro-me aos valores e pensamentos contestadores que são a essência do verdadeiro rock.
 
Desde os primeiros acordes de Elvis Presley, o rock foi visto como algo “diferente” e ofensivo ao status quo. O mesmo pode ser dito em relação aos Beatles e aos Rolling Stones com a representação das idéias e aspirações dos jovens do “pós guerra”; a Bob Dylan com sua poesia cantada e sua música de protesto; a John Lennon com sua defesa intransigente e criativa da paz; ao Festival de Woodstock; à mudança comportamental representada pelo Led Zeppelin e pelo The Who; bem como aos vários gêneros do Heavy Metal e sua expressão da frustração com a pobreza, as guerras e a inaptidão para adequar-se a padrões impostos. Todas estas encarnações do rock contribuíram (e contribuem) para profundas mudanças comunitárias, algumas vezes de forma mais rápida, outras de maneira lenta e gradual.
 
Quanto ao Direito, a evolução histórica foi bem diferente. Inicialmente pensado como um meio de controle e regulamentação da vida em sociedade, o sistema legal já desempenhou os mais diversos e contraditórios papéis. O Direito já serviu para evitar a imposição unilateral da força nas sociedades primitivas; foi instrumento revolucionário para limitar os poderes dos reis absolutistas; garantiu o reconhecimento de ideais libertários iluministas através da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão; permitiu o acesso de todos à participação política; serviu para punir aqueles que cometeram crimes contra a humanidade. Porém, o Direito também foi utilizado para institucionalizar a violência, para legitimar sistemas fascistas e totalitários, para proibir a livre expressão do pensamento e, sobretudo, para assegurar interesses de quem controla o poder político e econômico.
 
No Brasil atual, a Constituição Federal de 1988 é o coração de nosso ordenamento jurídico. E é uma ótima Lei Fundamental, pelo menos em tese. Nossa Constituição estabelece uma ampla gama de garantias à liberdade individual, à busca da Justiça social e à realização dos direitos da coletividade.
 
Fica até difícil acreditarmos nisso em meio aos escândalos de corrupção, às crescentes desigualdades sociais, à ineficácia dos sistemas de saúde e educacional e à sensação generalizada de insegurança e impunidade. E é aí que volto ao ponto principal deste artigo: somente com uma visão do direito como instrumento de contestação e de transformação social poderemos, finalmente, efetivar todo o potencial de nossa Constituição Federal.
 
O operador do Direito (seja Juiz, Promotor de Justiça, Advogado ou Delegado) não pode concordar em ser apenas mais um burocrata. Não pode aceitar que “as coisas são assim mesmo” ou buscar as saídas mais fáceis para encerrar um processo. Não deve apegar-se às formalidades acima do conteúdo social. A indiferença e o desinteresse não podem ser opções. Deve lutar, questionar e opor-se às injustiças, mesmo que seja criticado por quem deseja a perpetuação do quadro atual. Deve, enfim, adotar uma postura mais “rock n’roll” em sua atuação.



Muitos juristas produzem peças jurídicas similares a uma ópera: algo muito belo e rebuscado, formalmente perfeito, que agrada a quem tem maior poder aquisitivo, mas inacessível à maior parte da população. Outras decisões judiciais assemelham-se a algumas canções sertanejas: popularescas, superficiais e lamuriosas diante das dificuldades.

Seria, socialmente, muito mais interessante se as sentenças fossem tão diretas e impactantes quanto uma música do Rage Against The Machine. Um Direito com a essência do rock buscaria amparar as minorias e os economicamente excluídos (“Chimes of Freedom” de Bob Dylan), rechaçar a alienação (“Smells Like Teen Spirit” do Nirvana), acompanhar mudanças de comportamento ao invés de resistir a elas (“My Generation” do The Who), opor-se à insensatez das guerras (“War Pigs” do Black Sabath), deixar de privilegiar os interesses dos setores economicamente mais fortes para atender aos verdadeiros anseios da população (“American Dream Denial” do System of a Down), proteger o meio ambiente contra a exploração predatória (“Blackened” do Metallica), defender princípios (“Pride” do U2).   A letra do Motörhead “Just cos’ you got the Power, That don’t mean you got the right” (“Só porque você tem o poder, não significa que você tem o Direito”) deveria ser o mantra de Juízes e Promotores de Justiça em processos contra políticos corruptos e criminosos de elevado poder aquisitivo. Estes juristas teriam a coragem de buscar um tipo de revolução pacífica (“Revolution” dos Beatles), mesmo diante de eventual resistência, ao invés de contentarem-se com uma retórica elaborada e estéril.

Tenho ciência de que minhas palavras podem soar ingênuas ou “fruto da juventude”, como os apáticos e conformistas rotulam aqueles que ousam pensar de forma diferente. Contudo, a exemplo dos Rolling Stones, pretendo continuar dizendo “I can’t get no satisfaction” (“não consigo obter satisfação”) aos 68 anos de idade. È muito melhor do que a aceitação passiva das injustiças perpetradas pela não aplicação dos princípios constitucionais. Por fim, faço coro a John Lennon: “Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas não sou o único. Espero que, um dia, você se junte a nós e o mundo será um só” (“Imagine” – 1971).

Mauro Ellovitch - Promotor de Justiça

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