Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




quarta-feira, 13 de março de 2013

Direito à Educação Infantil - Decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em Ação Civil Pública ajuizada pela 1ª Promotoria de Justiça de Palhoça



O Tribunal de Justiça de Santa Catarina vem dando respaldo às ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público, para que os Municípios providenciem vagas em creches/centros educacionais infantis, sob pena de cominação de multa pessoal ao Prefeito e ao Secretário de Educação.

No caso de não haver vagas em centros de educação infantil públicos ou conveniados com o Poder Público, é obrigação do Município matricular o infante em creche particular, às suas expensas. 

Segue abaixo importante decisão neste sentido: 

Agravo de Instrumento n. 2012.074980-0, de Palhoça
Relator: Des. José Volpato de Souza

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATENDIMENTO DE CRIANÇA EM CRECHE. DEFESA DE DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.  ART. 273 DO CPC. EXEGESE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 127 E 129) E DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ARTS. 201, 208 E 210). PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). MULTA DIÁRIA IMPOSTA EM CASO DE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO. PLAUSABILIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL PARA O CUMPRIMENTO DO DECIDIDO. INTERLOCUTÓRIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
"O direito à educação infantil é direito fundamental de natureza social e indisponível definido pela Constituição Federal que dispõe que o Estado dará absoluta prioridade para a sua efetivação. A Constituição da República, inclusive, preceitua que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais que seus filhos menores de 05 (cinco) anos sejam matriculados em instituição de ensino infantil para a melhoria de sua condição social" (AI n. 2012.008790-6, de Itajaí, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2012.074980-0, da comarca de Palhoça (Vara da Família Órfãos, Sucessões Inf e Juventude), em que é agravante M. de P., e agravados M. P. do E. de S. C. e outro:
A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso para negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jaime Ramos e a Excelentíssima Senhora Desembargadora Sônia Maria Schmitz.
Florianópolis, 21 de fevereiro de 2013.



José Volpato de Souza
PRESIDENTE E Relator




RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo M. de P., nos autos da Ação Cívil Pública n. 045.12.009220-9, que concedeu a antecipação de tutela, determinando a disponibilização, no prazo de 15 (quinze) dias, de vaga em creche pública ou conveniada, ao infante F. M. M.
Ressalta o agravante, em síntese, que: I) se a decisão acatada se mantiver, haverá prejuízo ao erário público municipal; II) o município dispõe de legislação específica regulando o procedimento para acesso às vagas do ensino infantil; III) se for concedida a vaga, o Poder Judiciário estará ordenando que o administrador "fure a fila" de espera; IV) é ilegítima a pretensão do Ministério Público em impor internação em estabelecimento privado; V) as pretensões do autor esbarram em objeto juridicamente impossível, porque o comando judicial tem natureza eminentemente administrativa; VI) conforme os artigos 208, IV, da CF, e artigo 54 IV, do ECA, não se confere ao cidadão a prerrogativa de escolha da escola pública na qual pretende se matricular; VII) é vedado, pelo art. 167 da CF, o início de programas não incluídos na lei orçamentária anual e a transposição ou transferência de recursos de um órgão público para outro, sem prévia autorização legislativa; VIII) o art. 273, do CPC, impede a concessão de antecipação de tutela sempre que houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado; IX) o prazo de 15 (quinze) dias é exíguo; X) o bloqueio de valores nas contas do Poder Público é medida extrema e só deve ser adotada em caso de descumprimento injustificado de ordem judicial.
Nestes termos, requereu que a concessão do efeito suspensivo de modo a sustar os efeitos da decisão agravada,e  ao final, seja esta integralmente reformada, ou, alternativamente em caso de manutenção, para que seja excluída ou minorada a multa cominatória para 30 (trinta) dias (fls. 02-11). Documentos às fls. 13-35.
Despacho desta Corte, da lavra do Desembargador Substituto Rodolfo C. R. S. Tridapalli, que indeferiu o pedido suspensivo (fls. 38-43).
Contrarrazões às fls. 52-59.
Este é o relatório.




VOTO
Trata-se de agravo de instrumento, interposto pelo M. de P, contra a decisão interlocutória que determinou a disponibilização, no prazo de 15 (quinze) dias, de vaga em creche pública ou conveniada, à criança F. M. M., próxima a sua residência, preferencialmente no estabelecimento de ensino CEI Santa Marta – Pachecos, sob pena de multa cominatória diária de R$ 200,00 (duzentos reais) destinada ao Prefeito.
 legitimidade ativa ad causam
Em preliminar, o agravante postula o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Ministério Público, pois o considera parte ilegítima para defender, por meio de ação civil pública, direito individuais indisponíveis, consubstanciados no acesso à educação infantil de um grupo determinado de crianças.
É certo que art. 129, da Constituição Federal, ao definir as funções institucionais do Ministério Público, não explicitou sua legitimidade para a propositura de ação civil pública para a defesa de interesses individuais e indisponíveis. Todavia, previu:
Art. 127 O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Assim sendo, em interpretação conjunta dos arts. 127 e 129, da Constituição Federal, tem-se que cabe ao Ministério Público a tutela dos direitos individuais indisponíveis, a exemplo do direito à educação.
A despeito de o art. 1º, da Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) não mencionar nada a respeito, a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n. 8.625/1993), em perfeita sintonia com a Constituição Federal, complementou aquela legislação, para possibilitar que o parquet também promova a defesa dos direitos individuais indisponíveis. Neste linear, preceitua o art. 25 da Lei Orgânica do Ministério Público:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
[...]
IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;.
Ademais, corroborando tal permissivo legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) prevê:
Art. 201. Compete ao Ministério Público:
[...]
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;
[...]
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;"
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:
[...]
III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;"
Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
De acordo com todos os dispositivos legais elencados, resta comprovada a legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa de direito individual indisponível, razão pela qual rejeito a prefacial.
Dos requisitos do art. 273 do CPC
No que tange ao requerimento da antecipação de tutela, tem-se positivado no Código de Processo Civil:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Neste sentido, faz-se necessária a análise do objeto do agravo, qual seja a concessão de vaga em creche para a criança F. M. M, e se este consiste em requisito para a antecipação da tutela recursal.
A norma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro trata à educação como direito social.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Ao tratar da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios, o texto constitucional fixou que os mesmos devem proporcionar os meios de acesso à educação (art. 23, V).
Mais adiante, o art. 205 põe a educação como garantia fundamental, sendo elemento essencial para a formação plena do indivíduo. No mesmo sentido, o art. 208, em seu inciso IV, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 53/06, determina " O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade, competindo, prioritariamente, ao município garanti-la (art. 211,§2º,CF).
Outrossim, a creche e a pré-escola visam o desenvolvimento integral da criança, e servem para iniciação desta ao ensino fundamental, como se extrai do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) , legislação infra-constitucional:
 Art. 4: É dever da família, da comunidade,da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, aefetivação dos direitos referentes [...] à educação".
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
“[...]
“V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.’
[...]
“Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
“I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
Nesta toada, traz-se à baila o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO.
- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 'crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.
- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.
- Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
- Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina." (STF. RE-AgR 410715/SP. Segunda Turma. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 22.11.2005)
Diante disso, conclui-se que estão presentes, no caso em comento, os requisitos elencados no art. 273 do CPC, perfazendo obrigação do Município garantir o acesso à educação, engendrando, por consequência, a vaga em creche, para o agravado.
Da multa e do prazo para o cumprimento da ordem
No caso dos autos, a multa arbitrada em R$ 200,00 (duzentos reais) diários mostra-se razoável aos desígnios a que se propõe, não causando um prejuízo significativo, mas também não sendo irrisória a ponto de incentivar a reiteração do descumprimento da obrigação, razão pela qual a mantenho, no valor arbitrado pelo Magistrado a quo.
Neste sentido, primando pela eficácia da decisão recorrida, considero equitativo o prazo, de 15 (quinze) dias para o cumprimento da ordem.
Por todo o exposto, o recurso merece ser conhecido e desprovido, mantendo-se incólume a decisão de primeiro grau.
Este é o voto.

Um comentário:

  1. Parabéns! Nossas crianças merecem respeitos e seus direitos garantidos.

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