Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




quarta-feira, 18 de março de 2015

Blog do Sakamoto - Que tal reduzirmos a maioridade penal para 12 anos?



A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados adiou, nesta terça (17), a votação da admissibilidade de propostas de emendas à Constituição (como a 171/93 e apensadas) que reduzem de 18 para 16 anos a maioridade penal. Os deputados devem ouvir especialistas antes de prosseguir com a votação, que vai decidir se a pauta – que conta com o apoio do presidente da casa, Eduardo Cunha – será levada ou não a plenário.

Gosto de citar uma pesquisa do Datafolha, divulgada em abril de 2013, que mostrou que 93% dos moradores da capital paulista concordavam com a diminuição da idade legal a partir da qual uma pessoa possa responder por seus crimes para 16 anos. Ao todo, 6% eram contra e 1% não soube responder. Dos que eram favoráveis à redução, 35% concordava que a idade fosse rebaixada a uma faixa de 13 a 15 anos e 9% até 12 anos. Afinal, se um bom uísque tem 12 anos, por que não um pequeno presidiário?

Na época, disse aqui que fiquei surpreso. Não com os 93%, mas o fato de ainda termos 6% de pessoas em São Paulo que não se deixaram levar por soluções fáceis para a difícil questão da segurança pública. É uma boa base para manter o diálogo vivo e não cair em canetadas, que vão atacar consequências e não as causas do problema.

Uma democracia verdadeira passa pelo respeito à vontade da maioria, desde que garantida a dignidade das minorias. Até porque, como sabemos pela análise da história, a maioria pode ser avassaladoramente violenta. Se não forem garantidos os direitos fundamentais das minorias (e quando digo “minoria”, não estou falando de uma questão numérica mas, sim, do nível de direitos efetivados, o que faz das mulheres uma minoria no país), estaremos apenas criando mais uma ditadura.

Nessas horas, eu me pergunto se estamos prontos para baterias de plebiscitos. Porque ao jogar para a massa, a dignidade de um grupo pode ir para o chinelo. Porque não são minorias as responsáveis por fazerem as perguntas levadas à consulta, mas, pelo contrário, quem está no poder.

A ampliação ao direito ao aborto e o direito à eutanásia, a redução da maioridade penal e a descriminalização da maconha, se levadas a plebiscito, hoje, perderiam. Mas, olhe que interessante: a taxação de grandes fortunas, de grandes heranças e a auditoria na dívida brasileira certamente ganhariam. Agora me digam: qual estaria mais perto de ir a uma consulta? E por quê?

Alvíssaras que algumas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação da Constituição Federal visando à garantia desses direitos não têm sido tomadas com base em pesquisas de opinião ou para onde sopra a opinião pública em determinado momento depois de um crime bárbaro.

A população, ricos e pobres, feito uma horda desgovernada, por vezes não pedem Justiça, mas vingança assustadas com terríveis histórias de violência. Olho por olho, dente por dente, para a felicidade de Hamurabi.

Afinal de contas, aquele bando de assassinos da Fundação Casa deveria é ser transferido integralmente para a prisão e apodrecer por lá, não é mesmo? Não importa que apenas 0,9% dos jovens internados na antiga Febem estejam envolvidos com latrocínios. Se a gente diz que a culpa é deles, é porque alguma coisa fizeram de errado.

Sem alterações estruturais em nossa sociedade de forma a garantir alternativas reais a esses jovens, a redução da maioridade penal para 16 anos só fará com que pessoas aprendam mais cedo a se profissionalizar no crime. E se jovens de 14 começarem a roubar e matar, podemos mudar a lei no futuro também. E daí se ousarem começar antes ainda, 12. E por que não dez, se fazem parte de quadrilhas? Aos oito já sabem empunhar uma arma. E, com seis, já se vestem sozinhos.

Um dos maiores acertos de nosso sistema legal é que, pelo menos em teoria, protegemos os mais jovens – que ainda não completaram um ciclo de desenvolvimento mínimo, seja físico ou intelectual, a fim de poderem compreender as consequências de seus atos.

Completar 18 anos não é uma coisa mágica, não significa que as pessoas já estão formadas e prontas para tudo ao apagarem as 18 velinhas. Mas é uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o importante, é que as pessoas se preparam para essa convenção e a sociedade se organiza para essa convenção.

Ninguém está defendendo o crime, muito menos bandidos, pelamordedeusjesusmariajosé! Até porque, adolescentes que cometeram infrações são internados por até três anos e eles efetivamente são (ao contrário de muito bandido, rico e pobre, que entra na cadeia e sai logo depois). O que está em jogo aqui é que tipo de sociedade estamos nos tornando ao defendermos a redução da maioridade penal.

Decretamos a falência do Estado e a inviabilidade do futuro e assumimos o “cada um por si e o Sobrenatural por todos''? Do que estamos abrindo mão ao pregar que as falhas na formação da juventude sejam corrigidas de uma forma que, como já ficou provado, não funciona, é apenas vingança? No mínimo, de nossa própria humanidade.

De Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

Blog do Sakamoto - veja aqui

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