Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ação Civil Pública contra o Município de Palhoça para que uma criança em grave situação de violação de direitos e seus familiares sejam inseridos imediatamente nos atendimentos do PAEFI (Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos), com pedido de cominação de multa pessoal ao Prefeito e ao Secretário de Assistência Social de Palhoça



"O mesmo há que se falar do Poder Executivo, palco das maiores violações ao princípio da prioridade absoluta. É comum vermos a inauguração de prédios públicos com os fins mais variados, sem que o Estado cuide, por exemplo, da formação de sua rede de atendimento. Outro fato comum é a demora na liberação de verbas para programas sociais, muitos da área da infância e da juventude, enquanto verbas sem primazia constitucional são liberadas dentro do prazo. É o que se pode chamar de 'corrupção de prioridades' (expressão utilizada pelo Jornalista Ricardo Boechat em seu programa de rádio)." (Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos / Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (coordenação) - 6. ed. rev e atual. conforme leis n. 12.010/2009 e 12.394/2012 - São Paulo: Saraiva. 2013. Pg. 62) 
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA, ÓRFÃOS, SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PALHOÇA/SC.   

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por intermédio de seu Órgão de Execução, com fundamento nos artigos 1º, incisos II e III, 6º, caput, 127, caput, 129, incisos II e III, e 227, caput, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; nos artigos 3º, 4º, 70, 148, inciso IV, 201, incisos V e VIII, 209, 210, inciso I, e 213 e seus parágrafos, todos da Lei n. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); no artigo 25, inciso IV, da Lei n. 8.625/93; no artigo 82, inciso VI, alínea 'c' da Lei Complementar Estadual n. 197/2000; no artigo 5º, inciso I, da Lei n. 7.347/85 e demais dispositivos pertinentes, vem propor a presente: 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO LIMINAR,

em desfavor do MUNICÍPIO DE PALHOÇA, pessoa jurídica de direito público, CNPJ n. 82.892.316/0001-08, com endereço na Avenida Hilza Terezinha Pagani, n. 289, Parque Residencial Pagani, Palhoça/SC, por seu representante legal, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:

I - DOS FATOS:

Aportou nesta Promotoria de Justiça o Ofício n. *, oriundo do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS de Palhoça, datado de 16 de Agosto de 2013, expediente este também encaminhado ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS de Palhoça, noticiando a gravíssima situação de risco da criança *, com * anos de idade, que necessita ser inserida imediatamente, juntamente com sua família, nos atendimentos do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - PAEFI de Palhoça (fls. 3/8).

Infere-se do aludido expediente que o infante *, residente nesta Comarca de Palhoça, vive em situação de isolamento social, comunitário e familiar, além de ser vítima de violência psicológica e de negligência (fl. 3).

Retira-se do referido ofício que a criança do vertente caso não frequenta estabelecimento de ensino, é prematuro e necessita realizar atividades de psicomotricidade na APAE de Palhoça (fls. 3 e 6).

Ademais, extrai-se do feito que o genitor * manipula o comportamento de sua companheira e de seu filho, fazendo com que esta tenha desenvolvido transtorno psicológico, pois começou a apresentar tremores na cabeça, sonolência, ansiedade, medo e passou a ficar introspectiva (fl. 4).

De mais a mais, verifica-se que * sai de casa deixando seu filho sozinho, trancado, com o som do rádio em alto volume, a fim de que ninguém perceba que a criança fica abandonada e só (fl. 5).

Aliás, o infante * não recebe alimentação adequada * (fl. 5).

Denota-se também que a criança do caso em tela vive em ambiente com vários conflitos, agressões, ameaças, isolamento familiar, constrangimento, humilhação, e insultos (fl. 7).

Como se isso não bastasse, a equipe do CRAS de Palhoça suspeita que a criança * é abusada sexualmente por seu pai, haja vista *isolar socialmente a criança, excluir a figura materna das atividades rotineiras, possuir zelo excessivo, bem como pelo fato do genitor levar a prole para passear em locais desconhecidos e sem o conhecimento dos familiares (fl. 8).

Diante desses fatos graves, angustiantes e penosos, este Órgão de Execução do Ministério Público instaurou o Procedimento Preparatório n. *, no qual requisitou a inserção da família da criança desse caso nos atendimentos do CREAS e, consequentemente, nos atendimentos do PAEFI (fls. 2, 10 e 13/14).

Ocorre que se juntou nestes autos o Ofício n. 464/2013, proveniente do CREAS de Palhoça, informando que a família da criança * permanece aguardando atendimento na demanda reprimida e que será encaminhada ao PAEFI para atendimento sistemático quando surgir vaga em uma das equipes do PAEFI (fl. 15).

Assim, verifica-se que foi negado atendimento necessário à família e ao infante do vertente caso.

Logo, o Município de Palhoça, ao não atender * e seus familiares, por meio do PAEFI, está sendo omisso e desidioso com os direitos dessa pessoa em desenvolvimento.

Registre-se que o PAEFI – Serviço de Proteção Social e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - é um serviço de proteção social especial de média complexidade e deve, nos termos do Ministério do Desenvolvimento Social, ofertar apoio, orientação e acompanhamento especializado a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos.

Atente-se que o PAEFI compreende atenções e orientações direcionadas à promoção de direitos, à preservação e ao fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais e o fortalecimento da função de proteção das famílias diante do conjunto de condições que causam fragilidades ou as submetem a situações de risco pessoal e social.

Nessa direção, o PAEFI oferece atendimento a indivíduos e famílias em diversas situações de violação de direitos, como violência (física, psicológica e negligência, abuso e/ou exploração sexual), afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida socioeducativa ou medida de proteção; tráfico de pessoas; situação de rua; mendicância; abandono; vivência de trabalho infantil; discriminação em decorrência da orientação sexual ou raça/etnia e outras formas de violação de direitos decorrentes de discriminações ou submissões.

Ocorre que no presente caso o PAEFI não está cumprindo o seu importantíssimo papel, porque a família de * não está recebendo atendimento nesse serviço especial.

Portanto, verifica-se o descaso do Município de Palhoça no tocante aos direitos sociais de criança residente nesta urbe. 

Sobreleva ressaltar que com políticas públicas que não priorizam o atendimento a crianças e a adolescentes não estamos comprometendo tão somente o desenvolvimento de nossas crianças e futuros cidadãos, o que já seria suficiente para ensejar medidas urgentes nesse campo, mas podendo atingir toda uma estrutura familiar.

Ressalte-se, também, que a criança que tem direito a atendimento em serviço especial é pessoa em desenvolvimento que a própria Constituição Federal denomina “sujeito de direitos”. É ela a “prioridade absoluta constitucional”, que está sendo vítima da omissão do Município.

A omissão, dessa forma, é cristalina e não deve prosperar.

Frise-se que a presente Ação Civil Pública pretende compelir o Município de Palhoça a inserir imediatamente a criança e sua família do caso em tela nos atendimentos do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - PAEFI de Palhoça, sem prejuízo da necessidade de dar o mesmo atendimento às crianças que vieram a necessitar do mesmo atendimento.

É importante destacar ainda que no Inquérito Civil n. 06.2013.00010468-7, em trâmite nesta Promotoria de Justiça, este Órgão de Execução buscou incessantemente resolver a problemática do não atendimento no PAEFI de modo coletivo, propondo ao demandado a celebração de termo de compromisso de ajustamento de condutas (fls. 16/26).

Todavia, o aludido ajuste não foi celebrado, haja vista a coordenação do PAEFI, pertencente ao Município de Palhoça, não possuir certeza acerca do número necessário de profissionais a serem contratados, bem como sobre as medidas que podem ser adotadas visando eliminar à fila de espera para atendimento, que já contém aproximadamente 270 (duzentos e setenta) crianças e adolescentes.

Acontece que essa incerteza e inexatidão vai de encontro aos direitos dos infantes, procrastina o eficaz e adequado atendimento a essas pessoas em desenvolvimento (frise-se que a lista referida possui crianças vítimas de abuso e exploração sexual, dentre outras odiosas formas de violência) e apenas faz exsurgir a desorganização e desestruturação municipal no tocante aos atendimentos que deveriam ser prestados em prol de crianças e adolescentes. 

Ante o exposto, este Órgão de Execução do Ministério Público, com o intuito de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais que amparam a criança e o adolescente, propõe a presente Ação Civil Pública no escopo de salvaguardar seus direitos e interesses.

II  DO DIREITO:

A Constituição da República Federativa de 1988 estabelece em seu art. 1º, incisos II e III:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
II – a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana.

Adiante, a lei fundamental, em seu art. 6º, dispõe:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Ainda, a Lei Maior assevera:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Corroborando, o Estatuto da Criança e do Adolescente afirma:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
[...]
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; 
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.

Logo, denota-se que o Brasil possui uma avançada legislação relacionada aos infantes, pois existem os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, mas que, em situações como a do vertente caso é lamentavelmente menosprezada.

E, acerca da legislação acima citada, insta transcrever o entendimento de Válter Kenji Ishida:

"Pode-se falar conforme acima aludido na existência da doutrina da proteção integral. Para assegurar a mesma, formularam-se princípios menoristas, destacando-se o da prioridade absoluta, o do melhor interesse e o da municipalização [...] o princípio da prioridade absoluta possui o status constitucional, com a previsão no art. 227 da Carta Magna. A prioridade absoluta significa primazia, destaque em todas as esferas de interesse, incluindo a esfera judicial, extrajudicial ou administrativa". (Estatuto da Criança e do Adolescente. 12. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 6/7).

Nesse diapasão, necessário se faz também mencionar as lições de Munir Cury, et al, acerca dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente:

"Não se trata, neste caso, de palavras inúteis, como às vezes se diz das solenes declarações constitucionais. As regras ali enunciadas colocam também algumas normas de caráter imediatamente preceptivo, isto é, às quais todos devem imediata obediência, pois são suficientemente precisas; mas têm importância decisiva também por seu aspecto programático, isto é, aquele que se refere às normas concretas para implementação do programa". (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. pág. 35). 

Dessa forma, verifica-se que no sistema legal brasileiro estabeleceu-se a primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesses.

E como a previsão de absoluta prioridade decorre da Constituição e da Lei Infraconstitucional, não há espaço para ponderações, devendo ser assegurados aos infantes todos os seus direitos elencados na legislação pátria, levando-se em consideração a condição de pessoas em desenvolvimento.

Torna-se claro, assim, o caráter preventivo da doutrina da proteção integral, a qual deve ser efetivada para salvaguardar as crianças. Do contrário, o texto legal será letra morta.

Consequentemente, caso o Município não observe esses direitos fundamentais, como ocorre no presente caso, torna-se violador dos direitos preconizados tanto na Carta Maior, como no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cabe destacar que direitos fundamentais são direitos para os quais não se pode admitir desculpas, como dificuldades financeiras. Eles devem ser resguardados independente de qualquer situação.

Deste modo, é dever e obrigação do Município de Palhoça cumprir os direitos fundamentais das crianças palhocenses. 

E não se alegue falta de recursos financeiros, humanos ou materiais no escopo de se eximir de seu dever estabelecido, pois não cabem escusas ou justificativas para o descumprimento de direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente. Até porque investir na criança e no adolescente é investir no futuro.

Quanto a isso, já se decidiu:

[...] O artigo 227 da Constituição Federal estipula como dever do Estado, bem como da família e da sociedade, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a concretização da sua dignidade humana, mormente no tocante a colocá-los a “salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, para tanto promovendo programas de assistência social.
Dessa forma, é patente que o Poder Público, incluídas todas as unidades federadas, inclusive os municípios, deve garantir a observância irrestrita da Constituição, não podendo se furtar dos deveres constitucionais sob fundamentos supostamente extraídos do próprio texto e da competência constitucional do ente federado.
Com efeito, a estipulação, pelo município, de Programa de Orientação Sócio-Familiar deve garantir o efetivo acesso aos destinatários, de modo a assegurar a aplicabilidade da norma constitucional, extraindo da sua efetivação a concretização de seus efeitos jurídicos e eficácia social [...] (STF - AI 813590 / MG - MINAS GERAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento: 09/09/2013) (sem grifo no original).

Não se alegue também que o estabelecimento de políticas sociais derivadas de normas programáticas situa-se no âmbito do poder discricionário do administrador público, sendo vedado ao Poder Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade.

A atuação do Poder Judiciário nestes casos não interfere de modo algum na independência dos poderes, levando-se em conta a questão dos direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente.

Ademais, sabe-se que, na ocorrência de omissão por parte do Poder Público no cumprimento de norma constitucional elevada à categoria de norma fundamental, compete sim ao Poder Judiciário aplicar o direito ao caso concreto.

Diante desse contexto, não há que se falar em desrespeito à autonomia do Poder Executivo por parte do Judiciário. Comungar de tal raciocínio significa simplesmente negar a existência de uma função estatal em face da outra, o que é de todo descabido.

Muito pelo contrário, a espécie em análise não consagra qualquer tipo de desrespeito às autonomias, mas afirma a função jurisdicional em relação a função executiva mal exercida ou não exercida, o que é absolutamente corriqueiro em um Estado Democrático de Direito.

Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

[...] CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO  CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA–PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR
INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO
JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ  175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -1220).  (STF - RE 482611 / SC - SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/03/2010) (grifou-se).

E, conforme afirmado alhures, é possível deduzir do caso em tela que não deve a omissão do administrador prosperar, no tocante ao não fornecimento de atendimento no PAEFI, devendo o Município cumprir a legislação protetiva, no intuito de evitar prejuízo aos sujeitos do futuro do nosso país.

Logo, não deve a criança palhocense ser vítima da omissão do ente municipal, porque o nosso ordenamento e o princípio basilar da dignidade da pessoa humana refutam referida prática desprezível. 

Assim, conclui-se que caso o gestor público seja relapso e atue com descaso no que se refere aos direitos fundamentais relacionados à criança, não só permite-se, como também impõe-se a pronta atuação deste Órgão do Ministério Público, assim como do Poder Judiciário, no objetivo de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais.


III – DA NECESSIDADE DA LIMINAR:

A omissão no fornecimento de atendimento pelo PAEFI à criança *  deve cessar imediatamente, exigindo que esta pretensão seja deferida desde o recebimento da exordial.

De outro modo, a postergação do problema vilipendia diariamente os seus direitos.

Atente-se que não só a Lei n. 7.347/85, em seu artigo 12, caput, como também o artigo 213, § 1º, da Lei n. 8.069/90, autorizam, mediante a relevância do fundamento da demanda e do justificado receio da ineficácia do provimento final, a concessão de liminar para conceder previamente o direito que se pretende resguardar, senão veja-se:

Do artigo 12, caput, da Lei n. 7.347/85, tem-se que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo."

E, do artigo 213, §1º, insculpido na Lei n. 8.069/90:

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. 

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu. 

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. 

Registre-se que a verossimilhança, requisito necessário à outorga da decisão liminar, encontra respaldo fático nos próprios fundamentos já narrados, vez que o direito pátrio impõe prioridade absoluta e proteção integral em prol das crianças e dos adolescentes.

Além disso, este Órgão Ministerial está pleiteando apenas o que o  Município tem obrigação de fazer.

Ademais, extrai-se da documentação juntada nesta exordial que o infante do vertente caso é negligenciado pelo genitor, é criado isolado da sociedade e está sendo eventualmente vítima de abusos sexuais, de modo reiterado.

Fica assim demonstrada a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de ineficácia do provimento final, motivo pelo qual a concessão da liminar é medida que se impõe.

E, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que seja cominada multa diária para o caso do Município não providenciar a inserção de * com urgência nos atendimentos do PAEFI.


IV – DO "CONTEMPT OF COURT" E O BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS:

Sabe-se que o agente do Estado atua em nome do ente público e é diretamente responsável pela administração.

É sabido também que o ente estatal em si não possui vida, uma vez que é dirigido por gestores.

Assim, o Município possui comandante que assume a responsabilidade, no período do mandato, de administrar nos termos das leis e de respeitar eventual decisão judicial prolatada em desfavor do ente público. 

Todavia, não raras vezes aquele que ocupa o cargo público, mesmo conhecedor da existência de multa fixada contra o ente público para o caso de descumprimento de decisão judicial, age com irresponsável descaso frente à liminar concedida, pois sabe que os valores sairão dos cofres públicos, ou seja, recai sobre os cidadãos, já que o administrador público não se sensibiliza com o prejuízo e continua a agir ilegalmente.

A imposição de multa para pagamento ao Município é medida legal, que visa ao cumprimento da decisão. Contudo, como o valor da multa não é suportado pelo agente público, mas sim pelo ente municipal, esta circunstância tem gerado o desrespeito das decisões judiciais, além de duplo prejuízo para a população: primeiro porque o agente público não cumpre com suas obrigações; segundo porque o pagamento da multa é feito com dinheiro público.

Diante do descaso referido, o legislador pretendendo dar plena efetividade aos provimentos judiciais relativos às obrigações de fazer, fez constar no § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil que:

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

A partir daí novo entendimento doutrinário e jurisprudencial tem sido aplicado e tem permitido melhores resultados, com maior respeito às decisões proferidas.

Inúmeras decisões continuam a fixar a multa, com a diferença de que a mesma deve ser suportada pelo próprio agente público, pois é totalmente descabido ver a multa recair sobre a pessoa jurídica, quando esta depende da manifestação de vontade da pessoa física que exerce a função pública.

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de Luiz Guilherme Marioni, que assim leciona:

“Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente a agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional”.
"Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender à decisão – e não a cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público." (Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo: RT, 2004, p. 661-662).

Ademais, no dizer de Ada Pelegrini Grinover, “Contempt of Court” significa:

“a prática de qualquer ato que tenda a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem” (GRINOVER, Ada Pelegrini, Abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court, Marcha, pp 62/69, especialmente, p. 68, ano 2000).

Portanto, objetivando a credibilidade do Poder Judiciário, este instituto deve ser aplicado sempre que decisões judiciais forem desrespeitadas.

Acerca da aplicação da multa em desfavor do gestor o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina  assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - CENTRO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE TUBARÃO - PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES - MORA DO PODER ESTATAL CARACTERIZADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA - CUMPRIMENTO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL – DESCABIMENTO. 
1 Em se tratando de violação a direitos assegurados constitucionalmente - dentre eles, o da proteção integral ao adolescente, inclusive do infrator (CF, art. 227) -, o Poder Judiciário não só pode como deve intervir e determinar a sua observância pelo Poder Executivo.
2 "A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada pelo Poder Público, com a propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de 'mínimo existencial', que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança" (AgRg-ARE n. 639337/SP, Min. Celso de Mello, j. 23.8.2011). (TJSC - Agravo de Instrumento n. 2011.006614-3, de Tubarão. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 18/01/2012) (sem grifo no original) 

E extrai-se do acórdão:

[...] entendo ser plenamente cabível a fixação de astreinte contra o agente público responsável pela tomada das providências necessárias ao cumprimento da decisão. Ora, nada impede que a autoridade pública venha posteriormente aos autos comunicar ao Juízo a existência de situação excepcional impeditiva da obediência do comando judicial, no interregno nele fixado, sem afrontar, por conseguinte, o seu direito ao contraditório e à ampla defesa [...]

No mesmo sentido, em decisão oriunda de Ação Civil Pública desta Comarca:

[...] é válido ressaltar que a aplicação de multa no caso de descumprimento da determinação judicial é cabível, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público:
[...]
MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO FIXADA NA SENTENÇA - FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. As astreintes podem ser fixadas pelo juiz de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público (Fazenda Estadual), que ficará obrigada a suportá-las casos não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado (Resp. n. 201.378, Min. Fernando Gonçalves). (TJSC - AP n. 2006.000886-0, de Mafra, Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 11/09/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – FORNECIMENTO DE REMÉDIO – TUTELA ANTECIPADA – PRESENÇA DOS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS" (ART. 273 DO CPC) – DIREITO CONSTITUCIONAL SOCIAL E FUNDAMENTAL – EXEGESE DOS ARTS. 196 DA CF/88 E 153 DA CE –AUSÊNCIA DE VERBA ORÇAMENTÁRIA – IRRELEVÂNCIA – COMINAÇÃO DE MULTA AO ENTE PÚBLICO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA
OBRIGAÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. (TJSC - AI n. 2007.002607-4, de Itapema, Rel. Des. Rui Fortes, j. em 21/08/2007).
Com efeito, considerando a gravidade que pode gerar o descumprimento da decisão agravada, a multa fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), sendo R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada secretário é razoável. (TJSC - 2012.015293-5   Agravo de Instrumento. Órgão Julgador CÂMARA CIVIL ESPECIAL) (grifou-se).  

É essencial aqui a responsabilização pessoal do gestor, pela omissão, porque o problema relacionado à falta de atendimento no PAEFI fere direito social e fundamental.

Assim, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que ao ser cominada multa diária ao Município de Palhoça, seja a mesma cobrada pessoalmente do Prefeito Municipal de Palhoça, bem como do Secretário Municipal de Assistência Social, diretamente de suas folhas de pagamento, para o caso de descumprimento da liminar.

Desta forma, a medida postulada anteriormente (multa pessoal ao Prefeito e ao Secretário Municipal de Assistência Social) tem o condão de garantir a efetividade do provimento jurisdicional.

Por fim, cabe destacar que caso haja descumprimento do preceito judicial, eventual multa aplicada deverá ser destinada ao Fundo Municipal da Infância e Adolescência (FIA).


V – DOS REQUERIMENTOS:

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer:

1. O recebimento da inicial; 

2. A concessão de liminar inaudita altera pars consistente em ordem judicial de obrigação de fazer, ou seja, que o Município de Palhoça providencie, no prazo de 05 (cinco) dias, a inserção da criança * e de sua família nos atendimentos do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - PAEFI de Palhoça;

3. A fixação, em caso de não cumprimento da liminar, de multa diária a ser descontada diretamente das folhas de pagamento do Prefeito de Palhoça Camilo Nazareno Pagani Martins e do Secretário Municipal de Assistência Social Nilson João Espíndola, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) cada, revertendo as mesmas em favor do Fundo da Infância e Juventude de Palhoça, independentemente das sanções cíveis e penais correspondentes;

4. A citação do requerido para que, querendo, conteste a ação, na pessoa de seu representante legal; 

5. A notificação pessoal do Prefeito de Palhoça e do Secretário Municipal de Assistência Social acerca desta ação;

6. A produção de todas as provas em direito admitidas, documental, pericial e testemunhal, por intermédio da inquirição das pessoas adiante arroladas;

7. Seja julgado procedente o pedido ao final, mantendo-se a liminar concedida. 

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

Palhoça, 07 de outubro de 2013.

AURÉLIO GIACOMELLI DA SILVA
PROMOTOR DE JUSTIÇA

Rol de Testemunhas:

1. Josiane Cristina da Silva – Psicóloga do CRAS de Palhoça (fl. 8);

2. Andrea de Abreu – Pedagoga do CRAS de Palhoça (fl. 8);

3. Louisi Tancredo Porto – Assistente Social do CRAS de Palhoça (fl. 8).

5 comentários:

  1. ESSE É UM CASO DO 270 EM DEMANDA REPRIMIDA. E OS 269???

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    1. Serão ajuizadas as ações civis públicas correspondentes a toda a demanda reprimida do PAEFI. Essa foi a primeira.

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  2. Triste, infelizmente essa é só mais uma dentre tantas omissões da Assistencia Social de Palhoça, tem muita gente mandando e sobram poucos para trabalhar. Mais dificil ainda é ver como as pessoas mudaram o discurso em função dos cargos que ocupam. Obrigado Primeira Promotoria de Palhoça pela luta em defesa das crianças palhocenses.

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  3. É revoltante ver o descaso com as crianças dos nossos governantes. Quando lhes convém as coisas acontecem rapidamente. Ainda bem que Palhoça tem um Promotor da Infância e Juventude atuante isto nos aponta uma luz no fundo de um túnel. Parabéns, Dr. Aurélio seu incansável trabalho refletirá em dias melhores , se não agora mas para as futuras gerações.

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  4. É revoltante o rumo que o CREAS Palhoça está seguindo. A população de Palhoça, juntamente com esta iniciativa do Ministério Público, espera que os responsáveis por esta Instituição tomem as medidas cabíveis para mudar esta realidade.
    Mais uma vez, o Estado se isenta de sua responsabilidade e a sociedade civil é quem sofre.
    Gostaria de Parabenizar esta iniciativa do Senhor Promotor, que está exercendo muito bem sua função como representante na garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.
    A população aguarda resposta positiva referente a este problema...

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